Notícias | 22 de setembro de 2017 | Fonte: Farming Brasil

Saiba como novos produtos de seguro rural podem provocar uma grande mudança no agronegócio brasileiro

A Markel, uma seguradora americana com cerca de 90 anos de atuação, está estreando no mercado brasileiro de seguro rural. A companhia quer inovar, com uma proposta de seguro customizado para o produtor brasileiro e tem a ambição de garantir operações mais assertivas e reduzir a burocracia. Em entrevista exclusiva à Farming Brasil, o diretor-presidente da Markel, Leonardo Paixão, analisa os gargalos do setor e revela detalhes dos planos da companhia para o Brasil.  Alexandre-paixao-markel

Qual é o papel do seguro rural nos mercados?

Leonardo Paixão – Normalmente, a penetração maior do seguro no PIB [Produto Interno Bruto] ocorre em países sujeitos às catástrofes. O Japão, os estados Unidos, o México têm terremotos, tornados, furacão, maremoto. Você não precisa provar para o cidadão que o seguro é importante. Você já começa a venda discutindo qual vai ser o seguro e quanto custa. Aqui [no Brasil] você começa a venda dizendo que seguro é importante.   Primeiro, você tem que convencer, provar que o seguro é necessário. O Brasil, para a nossa sorte, é relativamente isento a catástrofe. Tem enchente no final do ano, estiagem localizada, mas não tem aquela grande catástrofe da natureza. Mas isso atrapalha um pouco a cultura do seguro.   Por outro lado, há uma correlação das linhas de seguros pessoais com renda. À medida que a renda média do país cresce, há um consumo maior de seguro. E o seguro [no Brasil] acaba sendo bem mais barato que nos Estados Unidos.

Quais são os problemas atuais do setor?

Leonardo Paixão – O seguro [brasileiro] atual foi criado para proteger o banco e esse papel ele faz. Não é à toa que seguradoras de bancos tradicionais lideram esse mercado. O seguro é vendido muito atrelado ao crédito. Quantos segurados vão lá para comprar só o seguro, sem tomar crédito? Se o número for perto de zero, é um indício de que alguma coisa não está bem.

Qual é a sua avaliação sobre a subvenção para o seguro rural?

Leonardo Paixão – A subvenção poderia ser ampliada, mas está caindo porque [o governo] não tem arrecadação. O governo tem feito um esforço para subir, mas não tem dinheiro. Ainda se aloca uma grande quantidade de recursos para subvencionar juros, é uma prática que não tem apoio nas regras da OMC [Organização Mundial do Comércio].   O Brasil não deveria subvencionar juros e deveria alocar o dinheiro dos juros para o prêmio do seguro. Não faz sentido investir em uma pequena redução dos juros quando poderia investir numa popularização do seguro e deixar todos os produtores brasileiros protegidos contra intempérie. A gente procura fazer uma mudança no mercado.   A subvenção também não pode servir como um engessamento, mas ela foi desenhada em cima de um produto tradicional já estabelecido no mercado. Isso também inibe a inovação. Precisaríamos de uma subvenção que fosse mais flexível nas modalidades de produto que pode oferecer.

Por que a subvenção engessa o mercado?

Leonardo Paixão – Atrela muito à questão da produtividade dentro do modelo de um produto tradicional e se você traz um produto novo ele não se encaixa nas regras de subvenção. Talvez [o governo] devesse ter regras mais flexíveis para permitir a inovação.   Os seguros que tratam de produtividade usam dados do IBGE com as médias [de produtividade] dos municípios. Um produtor mais tecnificado, que produz mais do que a média, acaba sendo penalizado na hora da precificação do seguro.

Pode dar um exemplo de problema na precificação?

Leonardo Paixão – Imagine o seguinte, o produtor está mirando produzir 60 sacas de soja por hectare. Só que ele está num município em que a média [de produtividade] é de 50 sacas. Se o seguro protege 70% da média de produtividade do município, cobre produtividades abaixo de 35 sacas por hectare. Um bom produtor nunca vai ficar com 35 sacas por hectare e ele se pergunta por que vai comprar esse seguro.

Mas falta também a cultura do seguro no Brasil?

Leonardo Paixão – Sim. O produtor pega alguns milhões de reais, “coloca no chão”, deixa lá por cinco meses a céu aberto, espera colher o dobro depois e não tem seguro contra o clima. Não está protegido contra um incêndio no milharal, contra granizo. E se você perguntar para ele o que é o seguro, ele vai te responder que é um custo, quando em qualquer outra indústria normalmente [o seguro é considerado] um insumo da produção. Hoje ele vê o defensivo como o insumo, sem isso a praga vai atacar. O fertilizante também é um insumo, se não usar a produção vai cair. Mas ele não tem seguro e deixa o clima na mão de Deus. O produtor que acha que o seguro não vale à pena está com uma percepção errada do risco ou não tem um produto adequado com um preço justo. Se tudo for feito certo, a proteção é vista como algo que vale a pena e minimiza o risco que é inerente à atividade. O que todo empresário espera é a previsibilidade dos ganhos.

Qual é o resultado desse contexto, na prática?

Leonardo Paixão – O produtor diz que é caro, que não vale a pena, que quando precisa [do seguro] não usa. É isso que a gente ouve. Muitas vezes ele só vai contratar [o seguro] porque está acessando um financiamento e como condição de liberação do financiamento ou para ampliar o volume financiado o agente financeiro geralmente pede um seguro. Mas, o produtor não percebe valor nesse seguro atual. O que existe hoje foi desenhado para proteger o concessor do crédito, o banco, e não para proteger o produtor.   Se o produtor tem um ano péssimo, o seguro vai pagar o agente financeiro e deixar o produtor quite em relação ao crédito, mas todo o resto está ruim. O prejuízo efetivo que ele teve é muito maior. A percepção dele é que paga caro por um seguro que ele jamais vai usar, que não vai cobrir o prejuízo.

Qual é a proposta da Markel?

Leonardo Paixão – Nós não temos banco e não vamos vender seguro Markel atrelado a um banco, então o nosso produto tem que ter valor em si e ter significado para o produtor como algo que de fato agregue valor.

Qual será o diferencial?

Leonardo Paixão – Um diferencial interessante é que os bons produtores produzem em áreas não contíguas, às vezes com cinco, seis fazendas. Normalmente, o seguro tradicional vai exigir que cada propriedade seja coberta por uma apólice de seguro.   Esse produtor sabe que já tem uma diversificação geográfica e se tiver uma seca em uma fazenda, provavelmente não terá nas outras [fazendas]. De certa forma, ele já faz uma diversificação do risco, mas ao fazer uma apólice para cada fazenda a diversificação não é reconhecida pela seguradora porque cada fazenda é tratada como se fosse única e o seguro fica mais caro.   A Markel desenvolveu um produto que permite agregar diferentes áreas numa apólice, como se fosse uma só fazenda. Isso minimiza o risco de a seguradora ser acionada e diminui o prêmio também. Isso é bom para o produtor.   Se ele tem cinco fazendas, ele quer saber o balanço final e o número total das despesas e da produção. Um seguro que reconheça isso, que observe essa diversificação e o proteja se o total de custos e de produção for baixo é mais barato e faz justiça de fato, por reconhecer o esforço do produtor em minimizar riscos. A gente trabalha um produto que faz sentido para bons produtores.

Como a Markel atua no mundo?

Leonardo Paixão – A Markel já existe há quase 90 anos nos Estados Unidos, sempre trabalhando com nichos de mercado. Ela não é uma seguradora que se dedica a seguros massificados. O trabalho da Markel no mundo todo é sempre identificar um setor que não esteja bem atendido por produtos de seguro, conversar com os atores desse setor e desenvolver uma solução de seguro específica para o segmento, procurando suprir as carências que possam existir.   No caso do Brasil, não foi diferente. A Markel já tinha quase 10 anos de atuação fazendo resseguro, mas sempre teve o interesse de fazer operação de seguro e analisou o que faria sentido trazer para o Brasil. A gente identificou uma inadequação entre os produtos oferecidos e as necessidades do produtor.   As equipes nos Estados Unidos e de Londres se debruçaram sobre o assunto e viram que realmente era uma oportunidade. Então, a Markel decidiu constituir empresa no Brasil em janeiro de 2017 e desenvolveu os primeiros produtos, que foram registrados em maio.

Qual é o foco da empresa atualmente?

Leonardo Paixão – No primeiro ano no Brasil, estamos oferecendo seguro só contra risco climático e para culturas de soja, milho, algodão e cana. Optamos por algumas linhas e culturas para fazer um produto de qualidade.

Por que o interesse pelos grãos?

Leonardo Paixão – Uma seguradora deve buscar diversificação geográfica. Se focar numa determinada região e tiver um evento climático, minha carteira inteira [de clientes] vai ter problema. Sempre pagamos sinistro, se a seguradora se concentrar num só lugar, pode registrar um lucro extraordinário num ano e ter prejuízo no outro.   A principal vantagem da soja e o milho é a dispersão geográfica no Brasil, isso milita a favor de se montar uma estrutura mais abrangente. A cana é um pouco menos, por estar concentrada no Nordeste e em São Paulo. A gente também tem recebido muita demanda por café. Não estamos fazendo seguro [para café] nesse primeiro ano, mas a gente percebe que existe aí uma boa possibilidade.

Como combater a burocracia das seguradoras, que também é uma queixa comum dos produtores?

Leonardo Paixão – O seguro tradicional muitas vezes é oferecido por um gerente do banco e o produtor às vezes assina sem conhecer os detalhes do produto. Lá na frente, quando há sinistro, a seguradora começa a pedir nota fiscal e dados. Na hora em que ele está precisando do dinheiro rápido, aí começa todo um trâmite burocrático.   Optamos por uma estratégia diferente. Nós vamos fazer talvez até mais perguntas do que as outras seguradoras na hora de contratar o seguro. Vamos fazer visita, pedir mais dados e informações e, no sinistro, vamos trabalhar de forma simples e rápida.

O seguro Markel será mais caro ou mais barato?

Leonardo Paixão – Não temos o objetivo de ter um produto mais barato, temos o objetivo de ter um produto aderente à realidade do produtor. O produto foi desenhado para que os dados certos sejam informados pelo produtor, que é o que vai dar uma calibragem ideal entre cobertura e preço. Não vamos ter preços por região ou município, queremos algo que faça sentido para o produtor. Temos uma flexibilidade muito grande para desenhar a cobertura de seguro, que trabalhe com faixas de produtividade.   O produto é totalmente passível de customização, com cobertura de clima de forma mais ampla. Incêndio, vendaval, seca, a nossa ideia é proteger contra todos os eventos relacionados ao clima, que é o risco não mitigado hoje. O clima é o único risco que você pode fazer tudo certo [na lavoura] e dar tudo errado. Para o futuro, podemos agregar outras coberturas, como riscos de preços e cambial.

Qual é a sua avaliação sobre o mercado brasileiro de seguro agrícola?

Leonardo Paixão – Eu acho que é um mercado que vem se desenvolvendo. Temos que lembrar que em 2004 nem havia subvenção. Foi o ministro Roberto Rodrigues que criou e na época foi um salto importante de qualidade, foi um aprimoramento necessário.   Agora, passados 13 anos, talvez esteja na hora de dar outros passos também. Pouco a pouco, o produtor está percebendo que o seguro pode ser um instrumento importante. O produtor coloca um “dinheirão” na terra e espera cinco meses a céu aberto para colher e não faz seguro contra o clima. É uma maluquice.   A gente acha que o seguro está se tornando mais conhecido, mas falta muito a se desenvolver em termos de educação financeira, percepção do risco e ofertas de produtos que façam sentido. Muitas vezes, o produtor que tem a compreensão do risco não tem um produto adequado. A demanda seria maior se houvesse uma cultura maior de seguro, mas a oferta também tem deixado a desejar. É aí que a Markel espera ter um diferencial, trazendo um produto que vai de fato ao encontro de uma demanda latente.

Quais são as perspectivas para a safra 2017/2018, com menor volume de recursos para subvenção?

Leonardo Paixão – Eu acho que um bom produto de seguro deveria depender menos de subvenção. Do ponto de vista da seguradora, a subvenção não muda nada, não muda os preços. Mas a subvenção ajuda o produtor a pagar esse preço.   Se a subvenção não existe, o produtor tem que pagar sozinho e quando ele está com a margem [de lucro] muito estreita, ele pode não ter folga para contratar o seguro. Mas o produtor que está endividado é o que mais deveria estar preocupado com o seguro porque ele não tem espaço para errar, ter uma safra ruim e se tornar inadimplente.   Apesar de ser desafiador não ter a subvenção, como o produto da Markel é diferente, que não concorre com o que atualmente existe no mercado, a gente acha que ele tem potencial para fazer um bom papel.  Hoje, tem produtor que gostaria de comprar a melhor tecnologia para investir na terra mas não compra porque se o clima judiar ele vai ficar muito endividado, então ele investe menos. Um bom seguro permite que o produtor busque a melhor tecnologia para extrair da sua propriedade o máximo de produção.

Qual é a estratégia da Markel?

Leonardo Paixão – O conceito que a gente usa é “empata ou ganha”. Na pior das hipóteses, o produtor cobre o custo de produção, graças ao seguro.   Qual é o maior desafio da empresa? Leonardo Paixão – É ter sempre a humildade de ouvir os atores do agronegócio e fazer o que eles precisam. Ninguém conhece melhor a produção agrícola que o produtor. Se a gente não ouvir, não vamos chegar a uma solução. O produtor, o transportador, a cooperativa, a trading, todos precisam ser ouvidos. A gente acha que um bom programa de seguro pode significar uma revolução para o agronegócio brasileiro.

FAÇA UM COMENTÁRIO

Esta é uma área exclusiva para membros da comunidade

Faça login para interagir ou crie agora sua conta e faça parte.

FAÇA PARTE AGORA FAZER LOGIN