Notícias | 4 de novembro de 2019 | Fonte: Folha Z

Proteção veicular vende “ilusões” e causa prejuízos

Enquanto associações atraem o público pelas redes sociais, setor de seguros se mobiliza contra este mercado. Cenário atual exige dos consumidores comportamento cuidadoso para não caírem em armadilhas

 

Guilherme Coelho

A transformação digital dos últimos anos modificou o ambiente de negócios. Hoje, a contratação de um serviço pode ser realizada em poucos cliques. Uma verdadeira revolução — que impulsionou a economia e trouxe, ao mesmo tempo, riscos que exigem atenção redobrada por parte dos consumidores. Práticas ilícitas e conteúdos publicitários enganosos, como os anúncios de seguros automotivos irregulares, por exemplo, encontraram um terreno fértil nas redes sociais.

Uma simples busca em comunidades virtuais de Goiânia é possível confirmar que cooperativas e associações tentam, a todo instante, comercializar o serviço de proteção veicular como sendo um seguro tradicional.

Foi dessa forma, acessando as redes sociais, que a psicóloga Mábia Azevedo conheceu e decidiu contratar o serviço oferecido por uma dessas organizações. “O preço, comparado com um seguro auto, foi o atrativo principal para escolher a proteção veicular”, lembra.Meses depois, em abril do ano passado, seguindo para o trabalho pela Rua RI 17, no Residencial Itaipú, Mábia foi vítima de um acidente de trânsito. No mesmo dia, ela acionou a cooperativa, apresentou o registro da ocorrência e solicitou os reparos para sua motocicleta. Foi aí que o barato começou a sair caro. “No primeiro momento, a associação quis substituir as peças danificadas por outras já usadas”, conta.

A atitude da cooperativa, segundo Mábia, contrariou o contrato assinado por ela. A cláusula 9.6 do documento garantia que se o veículo cadastrado fosse coberto pela garantia integral do fabricante, a reparação seria feita com peças novas e originais. “Eu pensei que estava protegida, mas não estava. Eles descumpriram todos os prazos e passaram por cima do contrato. Foi somente depois de incansáveis telefonemas e visitas à sede da associação que consegui que os reparos fossem realizados”, recorda.

Nas semanas seguintes, ao levar o veículo em uma oficina, veio a surpresa: as peças utilizadas no conserto eram reaproveitadas. “Proteção veicular não é seguro em nenhum sentido. Eles vendem ilusões e no fim nos restam apenas prejuízos. Depois desse episódio, cheguei a conclusão de que esse tipo de serviço é uma furada”, completa.

Procurada, a associação que comercializou a proteção veicular para Mábia não quis se pronunciar sobre o caso.Parece seguro, mas não é!Nas últimas semanas, a reportagem do Folha Z se deparou com inúmeros anúncios de proteção veicular na internet. Um deles garantia que o produto oferecia “os mesmos benefícios de um seguro”. Só que não é bem assim e é importante que todos saibam as diferenças, defende o superintendente do Procon Goiânia, Walter Silva.
Associações anunciam proteção veicular como “seguro”O seguro automotivo é oferecido por companhias seguradoras, formalizado por meio de uma apólice — que detalha os direitos e as obrigações da empresa e do segurado — e está sujeito ao Código de Defesa do Consumidor. “A proteção veicular, por sua vez, é comercializada por cooperativas, não oferece uma apólice e o cliente assina apenas um contrato de responsabilidade. Do ponto de vista jurídico, quem adquire produtos dessa modalidade não é considerado um consumidor, mas um associado”, alerta Silva.Na proteção veicular, os riscos são divididos entre os integrantes da associação e a análise do perfil dos condutores é deixada de lado.

A regulamentação, conforme explica o professor da Escola Nacional de Seguros (ENS) e diretor de Comunicação do Sindicato dos Corretores e das Empresas Corretoras de Seguros, Capitalização e Previdência Privada do Estado de Goiás (SINCOR-GO), Hailton Costa, é outra diferença importante.“Existe uma lista imensa entre a solidez do seguro e as fragilidades da proteção veicular. As seguradoras são regulamentas pela Superintendência de Seguros Privados, a Susep, e por um conselho formado por representantes do Ministério da Economia e da Justiça. Já as associações não são fiscalizadas por órgãos governamentais e não seguem as normas e os prazos estabelecidos para as seguradoras”, pontua.

Características que fazem a diferença

Por essas características completamente opostas, não é difícil encontrar reclamações de pessoas que amargam prejuízos por conta da atuação irregular de associações. O caso vivenciado pelo enfermeiro Heber Costa, por exemplo, se soma às milhares de denúncias registradas pela Susep e pelo site Reclame Aqui, um dos principais canais de comunicação entre consumidores, organizações e empresas do País.

Em fevereiro, ele foi vítima de um acidente na BR-153. Seguindo de Aparecida de Goiânia em direção à capital, o condutor de um Classic Ls atingiu a traseira de seu veículo. Ainda na rodovia, o motorista que provocou o acidente acionou a associação com a qual tinha vínculo e solicitou os reparos para o Prisma LT de Heber.“Dias depois, a associação apresentou o orçamento dos itens que seriam substituídos”, lembra. Com a avaliação em mãos, o enfermeiro procurou outras oficinas e se surpreendeu com a diferença de preços. “Foi então que entendi que as peças que seriam instaladas no meu carro não tinham procedência”.

Na época, Heber não admitiu que o conserto fosse realizado com itens sem nota fiscal. “A associação ainda tentou insistir no erro e atuar à margem da lei”, afirmaMas se por um lado as redes sociais turbinaram o modo de operação das associações, por outro elas deram voz aos consumidores. No caso do enfermeiro, a questão só foi resolvida quando ele decidiu compartilhar o caso na internet. “Insisti, procurei a sede da empresa e liguei inúmeras vezes até que comecei a fazer uma série de publicações nas redes sociais.

Foi a partir daí, de todo este desgaste e exposição, que a associação se comprometeu a custear o conserto do meu veículo”, relembra.Entretanto, os especialistas alertam que nem todos os motoristas têm a mesma “sorte” de Heber. Alguns precisam acionar a Justiça para terem seus prejuízos reparados. Geralmente isso acontece porque as cooperativas não mantêm reservas para honrar seus compromissos, ressalta a advogada Isadora Oliveira. “A lei obriga as seguradoras a manterem provisões técnicas para cumprir as futuras responsabilidades. O mesmo não acontece com as associações, que muitas vezes não reservam capital para pagar os sinistros”, afirma.

Cruzada contra este mercado 

Os prejuízos que as associações de proteção veicular têm causado a milhares de consumidores desavisados, sobretudo por não cumprirem as supostas garantias vendidas como “apólices de seguro”, impulsionaram o surgimento de uma cruzada contra este o mercado.Porta-voz do setor de seguros em Brasília, o deputado federal Lucas Vergílio segue acompanhando a tramitação do PPL 519/2018.

A proposta apresentada pelo parlamentar visa regulamentar a atuação das associações e fixar normas para que as entidades que comercializam proteção veicular tenham as mesmas obrigações do mercado legal, inclusive que sejam incluídas no mesmo regime tributário e paguem os mesmos impostos das seguradoras tradicionais.

Em abril deste ano, em discurso no plenário da Câmara, Vergílio, que também é presidente do SINCOR-GO, convocou representantes do setor de seguros a repensarem o segmento. “As seguradoras relutam em lançar produtos adequados e com preços mais compatíveis para as camadas da população mais suscetíveis ao canto da sereia das associações.

Por isso, as empresas de seguros precisam rever essa posição”, disse.Na última edição do congresso que discutiu os rumos do setor de seguros, que ocorreu no início do mês na Bahia, executivos das seguradoras subiram o tom contra este mercado . Na ocasião, a consultoria Ernest & Young apresentou um amplo estudo sobre as associações.

A pesquisa identificou que elas arrecadam  — sem pagar impostos e produzir reserva técnica que serve para o desenvolvimento da infraestrutura nacional — algo entre R$ 7 e R$ 9 bilhões por ano. O valor corresponde a 27% de todo o mercado de seguros de automóveis do País.Diante do avanço da atuação das associações e do uso das redes sociais para atrair o público, o presidente da Porto Seguro, Roberto Santos, defende que o mercado de seguros compartilhe com a sociedade as diferenças entre as duas modalidades. “A comunicação é a arma para combater.

Precisamos mostrar as diferenças para a sociedade. Só isso. O seguro não é mais caro. Tenho amigos corretores que não perdem negócio para proteção veicular”, justificou durante a conferência.

Atenção antes de assinar qualquer contrato!

Neste contexto, enquanto as seguradoras se unem contra este mercado e o projeto de lei que regulamenta as cooperativas de proteção veicular não é aprovado, fica o questionamento de como fugir das entidades que se organizam como associações, mas que na verdade desenvolvem atividades lucrativas e vendem seguros irregulares.

“Para que experiências como a da Mábia, do Heber e de tantos outros motoristas que ficaram na mão não se repitam é necessário que o consumidor tenha um comportamento cuidadoso e não confie em propagandas enganosas”, pontua o especialista Hailton Costa.

Outra alternativa é buscar referências justamente nas mídias sociais e em plataformas como o Reclame Aqui, orienta Walter Silva, representante do Procon Goiânia. “Antes de assinar qualquer contrato é fundamental que os cidadãos busquem informações na internet, confira como estão as avaliações das empresas ou das associações, leia os comentários, avalie as interações delas com o público e verifique se há respostas aos questionamentos relatados”, finaliza.

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