Notícias | 14 de outubro de 2005 | Fonte: Revista Consultor Jurídico

Previdência privada: Incide IR sobre a complementação de aposentadoria

Incide Imposto de Renda sobre os valores recebidos como complementação de aposentadoria de plano de previdência privada. A decisão é da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que acolheu recurso da Fazenda Nacional e reformou decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

No entendimento dos ministros, a incidência do Imposto de Renda se dá independentemente do período ou da legislação vigente à época do recolhimento das contribuições para o fundo de pensão.

A ministra Eliana Calmon, relatora do recurso, traçou um paralelo entre os processos relativos ao IR sobre valores de fundos de pensão em três hipóteses: rateio, resgate e complementação de aposentadoria.

“A inexistência de correlação entre a contribuição mensal e a complementação da aposentadoria fica evidente quando observada a possibilidade de contratação de renda mensal vitalícia, prevista nos artigos 14 e 33 da Lei Complementar 109/2001, que dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar”, afirmou.

A ministra decidiu que, em caso de recebimento de aposentadoria complementar, é sempre legítima a incidência do Imposto de Renda, pois há acréscimo no patrimônio do beneficiário, conforme estabelece o artigo 33 da Lei 9.250/95.

“A isenção do tributo não consiste em mecanismo de evitar a bitributação, mas, sim, em política fiscal, que visa à intervenção em setores da economia nacional. No caso, o fato de não haver isenção fiscal no momento da formação do patrimônio da entidade previdenciária não implica que necessariamente haverá isenção em outro momento”, considerou a relatora.

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 658.255 – SE (2004/0064737-7)

RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : GUSTAVO CÉSAR DE FIGUEIREDO PORTO E OUTROS

RECORRIDO : CARLOS ROBERTO ANTONIO MAIA E OUTROS

ADVOGADO : BENEDITO MELO DOS SANTOS E OUTROS

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relator): – Trata-se de recurso especial, interposto com fulcro na alínea “a” do permissivo constitucional, em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, assim ementado:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. PREVIDÊNCIA PRIVADA. LEI 7.713/88 E 9.250/95. ÔNUS DA CONTRIBUIÇÃO.

1. O exame da incidência do imposto de renda sobre os ganhos financeiros da entidade previdenciária não é matéria de prova, mas , de Direito, podendo este julgador, com elementos constantes dos autos, concluir se a referida entidade goza ou não de isenção tributária.

2. A jurisprudência dominante do colendo Supremo Tribunal Federal não reconhece a imunidade das entidades de previdência privada (Precedentes: RE n.º 136.332-1/RJ, DJ 25.06.93; RE n.º 146.747-9/CE, DJ 24.09.99), não configurando a hipótese da norma que somente isentava a renda dos participantes da entidade privada, se esta não gozasse de idêntico benefício.

3. A petição inicial foi devidamente instruída com os documentos comprobatórios do pagamento que o autor aduz indevido, pois evidenciam o efetivo recolhimento, na fonte, do tributo em tela.

4. A isenção instruída no art. 6.º, da Lei n.º 7.713/88, sofreu restrição com o advento da Lei n.º 9.250/95, daí porque o benefício somente apanha os valores relativos aos seguros por morte ou invalidez. Fora destes casos, o imposto de renda incide sobre a complementação dos proventos, a partir de 1996, mantendo-se a isenção, tão-semoente, sobre as complementações de aposentarias recebidas até essa data.

5. Apelação e remessa oficial parcialmente providas. (fls. 285)

Inconformada, a UNIÃO aponta violação ao art. 6º, VII, “b”, da Lei 7.713/88, sustentando que para isenção do Imposto de Renda, quanto a benefícios recebidos de entidade de previdência privada, é necessário que os rendimentos e ganhos de capital produzidos pelo patrimônio da entidade tenham sido tributados na fonte.

Sustenta, ainda, que não houve prova de que a tributação foi realizada e, com fulcro art. 333 do CPC, atribui esse ônus aos autores, argumentando não bastar a simples afirmação de que as entidades privadas não seriam imunes.

Após as contra-razões, subiram os autos, admitido o especial na origem.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relator): A questão trazida nos autos refere-se à possibilidade de incidência de imposto de renda sobre a verbas recebidas a título de complementação de aposentadoria de entidade de previdência privada.

A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que não incide imposto de renda quando do recebimento da complementação de aposentadoria, proporcionalmente ao montante recolhido, cujo ônus tenha sido do beneficiário, no período de na vigência da Lei 7.713/88 (1º/01/89 a 31/12/1995).

Assim também vinha decidindo, consoante se pode conferir da ementa a seguir transcrita:

TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – BENEFÍCIO – COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA.

1. O fato gerador do Imposto de Renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica decorrente de acréscimo patrimonial (art. 43 do CTN), no qual se incluem as verbas de natureza salarial ou as recebidas a título de aposentadoria.

2. O participante do plano de previdência privada tem direito ao benefício contratado com a aposentadoria, permanecendo o vínculo jurídico com a entidade, diferentemente do que ocorre quando a pessoa jurídica é extinta, dando ensejo ao resgate das contribuições e/ou rateio do patrimônio.

3. Não deve haver nova incidência tributária no momento do recebimento da complementação de aposentadoria, proporcionalmente ao montante recolhido, cujo ônus tenha sido do beneficiário, no período de 1º/01/89 a 31/12/1995, ou seja, na vigência da Lei 7.713/88.

4. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, improvido.

(RESP 608.189/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03.06.2004, DJ 20.09.2004 p. 261).

Esse posicionamento decorre do seguinte raciocínio: se, na vigência da Lei 7.713/88, incidiu o imposto de renda sobre a parcela salarial destinada ao fundo de previdência complementar, no momento de sua devolução, na forma de complementação de aposentadoria, não poderia haver nova incidência tributária, a fim de se evitar o bis in idem.

Contudo, reexaminando a matéria, passei a considerar aspectos que me levaram a alterar o meu posicionamento. Explico.

As demandas relativas ao imposto de renda sobre valores advindos de fundos de pensão desdobram-se em três hipóteses distintas: resgate, rateio e complementação de aposentadoria.

O resgate e o rateio decorrem do desligamento do beneficiário do plano de previdência privada. A diferença entre os dois é que, no rateio, o desligamento se dá como conseqüência da extinção da entidade de previdência, de modo que todo o seu patrimônio é distribuído entre os associados; no resgate, apenas é devolvido ao beneficiário o que foi por ele recolhido ao fundo de pensão. Já no recebimento da aposentadoria complementar, o vínculo contratual permanece e o direito do beneficiário existe exatamente em virtude do cumprimento do contrato firmado.

Para fins de incidência de imposto de renda, as três situações ganham contornos diferentes.

Quanto ao resgate, a visualização da questão é bem simples. No momento do desligamento do beneficiário da entidade previdenciária, somente o que foi por ele recolhido ao fundo é devolvido – com a devida remuneração do capital. Portanto, há uma perfeita identidade daquilo que foi recolhido e do que será devolvido ou resgatado.

Por exemplo, se foram recolhidas 12 parcelas ao fundo, essas 12 parcelas serão resgatadas com os rendimentos obtidos.

Nessa hipótese, para efeito de incidência de imposto de renda, deve-se observar o seguinte: se houve incidência da exação no momento do recolhimento da parcela em favor do fundo, não deve haver nova incidência quando do resgate, para se evitar o bis in idem. Se não incidiu o imposto de renda no momento do recolhimento, o tributo deverá incidir na parcela respectiva, por ocasião do resgate. Essa distinção decorre da sistemática legal adotada.

Assim, quando do resgate, não deve incidir imposto de renda sobre os valores recolhidos durante a vigência da Lei 7.713/88, porque, no período de sua vigência (1º/01/89 a 31/12/1995), ficou estabelecida a incidência do imposto de renda sobre os valores destinados ao fundo de pensão.

Com a mudança dessa sistemática, a partir da Lei 9.250/95, as parcelas destinadas ao fundo passaram a ser isentas de imposto de renda; por isso, por ocasião do resgate, incide o imposto de renda (art. 33).

A fim de evitar-se a bitributação, o próprio Poder Executivo editou a Medida Provisória nº 1.459/96, sucessivamente reeditada, excluindo da incidência do imposto de renda o valor do resgate de contribuições de previdência privada correspondentes à contribuições efetuadas de 1º de janeiro de 1989 a 31 de dezembro de 1995, nos seguintes termos:

?Art. 6º Exclui-se da incidência do imposto de renda na fonte e na declaração de rendimentos o valor do resgate de contribuição de previdência privada, cujo ônus tenha sido da pessoa física, recebido por ocasião de seu desligamento do plano de benefícios da entidade, que corresponder às parcelas de contribuições efetuadas no período de 1º de janeiro de 1989 a 31 de dezembro de 1995.?

Observe-se que o que se alterou, na vigência de ambas as leis, foi a sistemática de recolhimento porque, em qualquer caso há ocorrência do fato gerador do imposto de renda: acréscimo patrimonial.

A hipótese de rateio se assemelha ao resgate. A diferença é que, além de o participante “resgatar” aquilo que recolheu ao fundo, recebe também o valor referente ao rateio do patrimônio da entidade liquidada, de modo que, da mesma forma, não incide o imposto de renda sobre os valores “resgatados” cujo ônus tenha sido do beneficiário, se já houve incidência sobre as parcelas destinadas à entidade de previdência (Lei 7.713/88).

Sobre as demais parcelas recebidas, não relacionadas a valores transferidos ao fundo pelo participante no período de vigência da Lei 7.713/88, bem como sobre o montante decorrente da liquidação do patrimônio da entidade distribuído aos beneficiários incide o imposto de renda, pois, configura-se acréscimo patrimonial.

Nesses casos, pois, uma questão deve ficar bem clara: existe nítida correlação entre a parcela recolhida pelo participante e aquela resgatada no momento do desligamento da entidade de previdência.

Hipótese totalmente diversa é a da complementação de aposentadoria.

Nesse caso, o vínculo contratual entre o participante e a entidade de previdência privada está em vigor e as parcelas pagas a título de complementação são recebidas em virtude desse vínculo. Aliás, o fundo criado para pagamento da complementação não se constitui apenas com o que foi desembolsado pelo beneficiário, havendo, na maioria dos planos, parcela de contribuição do empregador, bem como aplicações financeiras.

Não se trata, pois, de devolução, como no caso do resgate e rateio, de modo que inexiste correlação entre o que foi recolhido e que foi recebido na aposentadoria.

Na adesão ao plano de previdência complementar, estipula-se o valor da complementação, bem como o valor da contribuição mensal do participante, a fim de que ele tenha direito de receber o quantum pretendido pelo beneficiário. Aparente equilíbrio entre o valor da contribuição mensal e da complementação de proventos decorre, apenas, de cálculos atuariais, que levam em conta fatores diversos e não apenas do montante da contribuição do participante.

A inexistência de correlação entre a contribuição mensal e a complementação da aposentadoria fica evidente quando observada a possibilidade de contratação de renda mensal vitalícia – o que é feito na grande maioria dos casos -, prevista no art. 14, § 4º, e no art. 33, § 2º, da Lei Complementar 109/2001, que dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar (grifei):

Art. 14……………………..

…………………………….

§ 4° O instituto de que trata o inciso II deste artigo, quando efetuado para entidade aberta, somente será admitido quando a integralidade dos recursos financeiros correspondentes ao direito acumulado do participante for utilizada para a contratação de renda mensal vitalícia ou por prazo determinado, cujo prazo mínimo não poderá ser inferior ao período em que a respectiva reserva foi constituída, limitado ao mínimo de quinze anos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.

…………………………………

Art. 33………………………..

……………………………….

§ 2º Para os assistidos de planos de benefícios na modalidade contribuição definida que mantiveram esta característica durante a fase de percepção de renda programada, o órgão regulador e fiscalizador poderá, em caráter excepcional, autorizar a transferência dos recursos garantidores dos benefícios para entidade de previdência complementar ou companhia seguradora autorizada a operar planos de previdência complementar, com o objetivo específico de contratar plano de renda vitalícia, observadas as normas aplicáveis.

Se a complementação de aposentadoria é vitalícia, como se pode pretender vislumbrar correspondência entre ela e a contribuição mensal? Ora, nesse caso, o beneficiário pode receber valor muito maior do que aquele para o qual contribuiu, se sobreviver muitos anos após a aposentadoria, ou muito menor, no caso de morte prematura, situação que pode ser perfeitamente comparada, nesse ponto, com o contrato de seguro.

Portanto, impossível configurar-se a hipótese de bis in idem nesse caso pois, se não há identidade entre a parcela recolhida e a recebida na complementação, inexiste bitributação, não importando se a contribuição mensal foi recolhida sob a égide da Lei 7.713/88 ou na vigência da Lei 9.250/95.

A conclusão desse raciocínio leva ao seguinte desfecho: em caso de recebimento de aposentadoria complementar é sempre legítima a incidência do imposto de renda, pois há acréscimo no patrimônio do beneficiário, conforme previsto no art. 33 da Lei 9.250/95:

Art. 33. Sujeitam-se à incidência do Imposto sobre a Renda na fonte e na declaração de ajuste anual os benefícios recebido de entidade de previdência privada, bem como as importâncias correspondentes ao resgate de contribuições.

Pode-se fazer a seguinte pergunta: se é sempre devido o imposto de renda, por que a lei, em determinados momentos, isentou do tributo o valor destinado ao fundo de pensão e em outros não o fez? A resposta é muito simples: a isenção não consiste em mecanismo de evitar a bitributação, mas, sim, em política fiscal, que visa à intervenção em setores da economia nacional. In casu, o fato de não haver isenção fiscal no momento da formação do patrimônio da entidade previdenciária não implica que necessariamente haverá isenção em outro momento.

Desse modo, entendo de absoluta importância a reanálise da matéria sob o ângulo acima exposto, pelo qual concluo que, nos termos do art. 33 da Lei 9.250/95, incide imposto de renda sobre as verbas recebidas a título de complementação de aposentadoria, independentemente do período ou da legislação vigente à época do recolhimento das contribuições do beneficiário para o fundo de pensão.

Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial.

É o voto.

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