Notícias | 6 de abril de 2004 | Fonte: Valor Econômico

Previdência ainda é “muito generosa”

Mesmo após a reforma previdenciária, o Brasil permaneceu no grupo de países mais “generosos” da América Latina na concessão dos benefícios. Essa foi uma das principais conclusões de Carmelo Mesa-Lago, professor da Universidade de Pittsburgh (EUA) e especialista em previdência na América Latina.

Após visita ao país na semana passada, Mesa-Lago criticou os privilégios do setor público, pediu racionalização na concessão de benefícios rurais, defendeu que a iniciativa privada também possa administrar o futuro fundo de previdência complementar dos funcionários públicos e chamou de “absurdo” alguns itens da previdência militar.

Em entrevista ao Valor, ele admitiu que a reforma, mesmo limitada, foi um avanço significativo para as contas do país, mas avaliou que ainda há indefinições “perigosas” na tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que trata do assunto. Uma deles, e a mais grave na opinião de Mesa-Lago, é a falta de garantia de que Estados e municípios criarão fundos complementares para seus funcionários. “Se isto não estiver bem claro na lei, receio que alguns Estados e municípios deixem de tomar providências nesse sentido para evitar riscos políticos”, alertou.

O professor de Pittsburgh acompanha o sistema previdenciário de todos os países da América Latina e cita o Brasil como o “mais generoso” de todos. Antes da reforma, o país permitia que as mulheres do serviço público se aposentassem com benefícios integrais aos 48 anos e, no caso dos homens, aos 53 anos.

Após a aprovação da PEC no ano passado, houve uma postergação desse direito – para 55 anos e 60 anos, respectivamente – mas o país continuou entre os menos exigentes, dessa vez ao lado da Colômbia, Cuba e El Salvador. “O incrível é que o Brasil se dá ao luxo de ser mais benevolente do que países com expectativa de vida bem mais baixa, como Bolívia e República Dominicana”, salientou.

O professor se reuniu com vários deputados e alguns representantes do Ministério da Previdência para conversar sobre o assunto e saiu com a impressão de que as discussões sobre o futuro do sistema previdenciário ainda carecem de iniciativas importantes. Entre elas, Mesa-Lago citou a restrição criada para a administração dos recursos do fundo de previdência complementar que será criado para atender aos servidores públicos.

Segundo a PEC em tramitação, esse papel será exclusivo das instituições públicas, mas o professor defende a possibilidade de o setor privado também disputar esse mercado. “Por que não? Isso devia ser uma escolha dos participantes do fundo, que definiriam o responsável pela rentabilidade de seu patrimônio”, defendeu.

Para ele, a legislação deveria estabelecer apenas que a criação do fundo seja obrigatória para Estados e municípios, que a adesão do servidor seja facultativa, que o plano seja de contribuição definida (como determina o texto da PEC) e financiado de maneira paritária entre participantes e patrocinadores (também de acordo com a proposta do governo).

Um outro tema que precisa avançar, na sua análise, é a previdência dos militares. Essa no entanto, é uma necessidade de todos os países da América Latina, à exceção de Costa Rica e do Panamá, que não têm Forças Armadas. “Todos os países da região fizeram reformas nos sistemas previdenciários mas mantiveram um regime especial para os militares. Isso é uma contradição com o conceito básico de que os benefícios previdenciários devam seguir o lema de igualdade de trato, eqüidade e solidariedade”.

Segundo o professor, o tratamento diferenciado dos servidores públicos e dos militares é uma herança do período colonial e dos regimes ditatoriais vividos na região. “Quando os colonizadores vieram para a América eles pediram garantias para trazerem as famílias, e o mesmo ocorreu com os militares.”

Em relação ao teto de R$ 2,4 mil para o pagamento integral das aposentadorias, Mesa-Lago considerou isso um avanço, porque reduziu a distorção entre os benefícios pagos aos trabalhadores da iniciativa privada e o dos servidores públicos. “Não há justiça em um sistema onde os impostos pagos por todos sirvam para pagar benefícios de poucos”, definiu.

De acordo com seu levantamento, a média das aposentadorias pagas aos servidores do Executivo chega a seis vezes o valor médio do mesmo benefício pago pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Essa proporção fica em 10,2 vezes no caso dos militares; sobe 18,8 vezes entre os funcionários do Banco Central; batem em 21,8 vezes no Poder Judiciário; chega em 22,1 vezes no Legislativo; e atinge o máximo de 35,7 vezes entre os aposentados do Ministério Público. “Todos os sistemas fazem uma coisa que se chama solidariedade entre as gerações, com os jovens ajudando os velhos. No Brasil, os velhos estão, na verdade, explorando os mais jovens, então me parece muito bom que se estabeleça um teto para amenizar essa distorção”, concluiu.

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