Notícias | 10 de novembro de 2021 | Fonte: Migalhas

Perspectivas para os seguros de responsabilidade civil

Nos últimos dois anos, temos observado um movimento contínuo de transformação pelo qual passa o mercado de seguros brasileiro. Essa transformação revela um processo de modernização, simplificação e flexibilização do ambiente regulatório e, consequentemente, do contrato de seguro, em contraposição a um cenário passado marcado pela padronização, excessiva regulação e autonomia contratual limitada. Estamos diante de um Novo Marco Regulatório de Seguros.

Nesse contexto, os seguros de responsabilidade civil ocupam posição de destaque. Segundo dados oficiais da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), os seguros de responsabilidade civil cresceram, entre 2015 e 2020, 175%, contabilizando R$2,6 bilhões de prêmio em 20201. No ano de 2021, dados até agosto já demonstram um crescimento de 35,4%, o que se traduz em prêmio acumulado no período de R$2,11 bilhões.

Esses dados, por si só, revelam a importância deste tipo de seguro como instrumento de mitigação dos mais variados riscos presentes nas atividades empresariais e que possuem potencial de causar danos a terceiros. Este é justamente o objetivo dos seguros de responsabilidade civil: indenizar as vítimas por danos causados pelo segurado em razão da prática de um ato ilícito culposo.

Mas não é só. O crescimento dos seguros de responsabilidade civil também nos mostra que os riscos relacionados à responsabilização civil se intensificaram e que a função deste tipo de seguro continua sendo crucial na atualidade. Afinal, seu escopo é garantir não apenas proteção financeira ao patrimônio dos segurados, mas também ao terceiro, assegurando que o dano será efetivamente reparado e liquidado por meio da indenização securitária.

De fato, além de vivermos em uma sociedade altamente litigiosa, os danos se agravaram e multiplicaram, de tal modo que o instituto da responsabilidade civil na modernidade está essencialmente voltado à proteção das vítimas e à reparação integral dos danos. Nesse sentido, são exemplos clássicos de riscos que podem ser mitigados pelo seguro os acidentes de trabalho, produtos defeituosos colocados no mercado e seu recall, poluição ambiental súbita e danos causados por profissionais liberais no exercício de sua atividade. Mais recentemente, podemos citar ainda os efeitos da pandemia, os riscos associados às novas tecnologias e até mesmo questões relacionadas à diversidade e governança ambiental, social e corporativa (ESG) como exemplos de fatores de exposição que podem impactar os seguros de responsabilidade civil, como D&O e Riscos Cibernéticos.

De acordo com o relatório “Financial Services – Risk Trends”, recentemente publicado pela Allianz Global Corporate & Specialty, há expectativa de crescimento de demandas relacionadas ao Covid-19 contra diretores e administradores de empresas, tanto por negligência na adoção de medidas de proteção à saúde, como por falhas na implementação de controles de risco adequados às mudanças envolvendo o trabalho remoto ou à prestação de serviços online. Ainda segundo o mesmo relatório, o retorno ao trabalho presencial também pode gerar exposição com relação à responsabilidade civil por infecção, políticas internas de vacinação e questões relacionadas à privacidade de informações de saúde dos empregados.

Relativamente ao crescente e cada vez mais presente risco de ataques cibernéticos, o relatório informa que além dos riscos de segurança associados ao trabalho remoto, o exponencial aumento nas transações digitais e armazenamento de informação eletrônica coloca as empresas em posição de vulnerabilidade e exposição perante terceiros. Os custos são incalculáveis, podendo envolver tanto as medidas de contenção do incidente cibernético, o pagamento de multas, lucros cessantes, custos de defesa e indenizações a terceiros que tiveram dados vazados, como também aqueles de natureza imaterial relacionados à imagem da empresa.

Além disso, as políticas de segurança cibernética, quando deficientes, podem gerar exposição de responsabilização do próprio corpo diretivo das empresas. Segundo o relatório “Directors and Officers (D&O) Insurance Insights 2021”, também publicado pela Allianz Global Corporate & Specialty, o risco de ações coletivas de investidores que sofreram perdas em razão de falhas na adoção de políticas de governança apropriadas à proteção contra riscos cibernéticos não deve ser desconsiderado.

Finalmente, já são vistas demandas coletivas, especialmente nos Estados Unidos da América, em que se discute a falta de diversidade entre os diretores e administradores de empresas sob o fundamento de violação de seus deveres fiduciários. Há, também, expectativa de que sejam notificadas reclamações envolvendo ESG por falhas de gestão e adoção de políticas de governança contrárias à mitigação de riscos climáticos e ambientais.

Neste cenário de crescente exposição a riscos de responsabilização civil, o Novo Marco Regulatório de Seguros será determinante para o desenvolvimento deste tipo de seguro, na medida em que permite e facilita a criação de novos produtos e coberturas, garante maior liberdade de negociação e contratação das apólices, além de gerar um ambiente mais inovador e competitivo.

São essencialmente três normas que trazem essa evolução: a Resolução 407/21 do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e as Circulares 621/21 e 637/21 da SUSEP. As duas primeiras são responsáveis por segregar a regulação aplicável aos seguros de danos massificados e aos de grandes riscos, criando regras específicas dadas as particularidades dos riscos e dos segurados envolvidos na contratação. Já a última é norma aplicável aos seguros de responsabilidade civil.

Especificamente quanto aos chamados “seguros de grandes riscos”, destaca-se a possibilidade de que as condições contratuais da apólice sejam livremente negociadas entre segurados e seguradoras, observados princípios como os da boa-fé e transparência e objetividade das informações, além de alguns elementos mínimos que devem constar nas condições contratuais. Isso significa que as partes assumem posição de igualdade e o contrato de seguro deixa de estar fundado em apólices padronizadas, incentivando-se a plena liberdade de pactuação.

Nessa linha, os seguros de responsabilidade civil podem ser caracterizados como de grandes riscos. Para tanto, é necessário o cumprimento de ao menos um dos seguintes requisitos: (i) que o limite máximo de garantia (LMG) da apólice seja superior a R$ 15 milhões; (ii) o segurado possua ativos totais superiores a R$ 27 milhões no exercício imediatamente anterior à contratação; ou (iii) o faturamento bruto anual do segurado no exercício imediatamente anterior seja maior que R$ 57 milhões.

Dessa forma, observados os requisitos da norma, os seguros de responsabilidade civil, tais como os de Responsabilidade Civil Geral, Responsabilidade Civil de Diretores e Administradores (D&O), Responsabilidade Civil Profissional (E&O), Responsabilidade Civil Ambiental e Riscos Cibernéticos, poderão ser inseridos no novo modelo de contratação. Isso pode gerar às seguradoras maior liberdade na oferta de produtos e novas coberturas, com maiores vantagens competitivas que deixam de estar restritas ao preço do prêmio. Aos segurados, isso pode proporcionar coberturas mais adequadas ao risco de seu modelo de negócio, além de contratos mais simples e de fácil compreensão e, possivelmente, preços mais competitivos.

As regras da nova norma já estão em vigor e podem ser aplicadas às apólices renovadas ou emitidas a partir de 1º/4/21. Contudo, a despeito de já vigente, o novo cenário regulatório introduz uma mudança paradigmática na forma de contratação do seguro que exige adaptação dos diversos players envolvidos, incluindo seguradoras, resseguradoras, corretores de seguros e os próprios segurados. O processo de amadurecimento é natural e esperado, mas não se deve, ao mesmo tempo, perder de vista o dinamismo necessário à implementação prática das novas regras que certamente beneficiarão todos os envolvidos e contribuirão para o desenvolvimento e modernização do mercado de seguros brasileiro.

Por fim, na mesma linha de flexibilização e simplificação do contrato de seguro, a Circular 637/21, em vigor desde 1º/9/21, estabeleceu alterações relevantes na regulamentação específica dos seguros de responsabilidade civil. Como novidades, a norma autoriza a cobertura não apenas para os danos a terceiros cuja obrigatoriedade de reparação tenha sido reconhecida por decisão judicial ou arbitral, como também para aqueles decretados por decisão administrativa do Poder Público. O trânsito em julgado da decisão deixa de ser um requisito ao pagamento da indenização, conferindo maior especialização e celeridade ao procedimento de regulação de sinistro.

No mais, além da possibilidade de contratação de seguro de responsabilidade civil à base de ocorrência ou à base de reclamações (com ou sem notificações), previu-se uma nova modalidade de seguro à base de reclamações: com primeira manifestação ou descoberta6, que está essencialmente associada aos seguros de riscos ambientais. Ainda com relação aos seguros à base de reclamações, a Circular eliminou os conceitos de prazo complementar e prazo suplementar, bem como seus prazos obrigatórios mínimos para apresentação da reclamação do terceiro após o fim de vigência da apólice, criando, em seu lugar, o “prazo adicional”, cujo período de tempo pode ser livremente negociado.

Assim, o atual cenário é altamente positivo e promissor a um crescimento ainda mais expressivo dos seguros de responsabilidade civil, tanto diante dos mais variados riscos que se apresentam na atualidade, como da possibilidade de criação de produtos e coberturas inovadoras, além de clausulados mais simples e arrojados. A experiência internacional dos mercados mais desenvolvidos é, sem dúvida, uma importante fonte a contribuir para o processo. A adaptação ao novo contexto é necessária e altamente almejada.

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