Notícias | 3 de junho de 2004 | Fonte: Poletto, Peasson, Possamai & Advogados

O endosso no contrato de Seguro-Garantia

A palavra endosso no uso da interpretação geral significa o ato de transferir a propriedade de um título de crédito nominativo à ordem, que usualmente se faz no verso do próprio documento, por meio de uma declaração expressa. Neste momento, a utilização comum do termo endosso não nos é premissa absoluta, uma vez que no direito securitário o vocábulo referido denota interpretação extensiva que efetivamente supera o ato de ceder um direito a outrem.

O endosso no contrato de seguro possui o condão de alterar ou modificar as condições da apólice de seguro, seu objeto, vigência, ou mesmo, transferência a outrem, que se procede mediante a expedição de uma apólice endosso pelo segurador, após este analisar e aceitar o pedido/proposta do segurado e do tomador no caso do seguro-garantia.

Ao comparar o conceito geral e o específico do direito securitário, verificamos que o termo em questão deriva de semântica idêntica, onde o tempo e o espaço naturalmente trataram de acondiciona-lo dentro da semiótica jurídica para melhor atribuir o significado da palavra. Dessa forma, vale frisar que o conceito comentado não gera divergência.

Por outro lado, constata-se que o endosso nas apólices de seguro-garantia tem gerado interpretação dicotômica no que diz respeito à emissão de apólice com base na Circular SUSEP nº 004/97 e o endosso posteriormente a vigência da Circulares SUSEP nº 214/02 e 232/03.

Para melhor esclarecer, a Circular SUSEP nº 004/97 vigorou pelo período de 04 de maio de 1997 até o dia 09 de março de 2003, quando então, a Circular SUSEP nº 214 de 09 de dezembro de 2002 a revogou, passando esta a vigorar de 09 de março de 2003 até 05 de junho de 2003 quando cedeu lugar à Circular SUSEP nº 232/03 que está vigente até os dias de hoje.

Se imaginarmos que uma apólice de seguro-garantia foi emitida no período de vigência da Circular SUSEP nº 004/97 e ano a ano veio sendo endossada, com a revogação da Circular nº SUSEP nº 004/97, o endosso continuaria a ter como fundamento a Circular revogada, ou a norma de sustentação do endosso passaria a ser a Circular então vigente, neste nosso caso, poderia ser a Circular nº 214/02 ou mesmo a Circular nº 232/03. Portanto, indaga-se: i) O endosso acompanha a norma de quando foi emitida a apólice principal? ii) O endosso estará fundamentado na norma vigente quando de sua emissão?

Antes de adotarmos um posicionamento para a resposta devemos insistir que o endosso altera, modifica as condições da apólice, inclusive o seu próprio objeto. Assim, o cerne da questão está no fundamento normativo que confere sustentação ao ramo e modalidade de seguro quando do momento da emissão da apólice e do endosso, a fim de verificar se o endosso acompanha a norma que lastreia a apólice principal, ainda que, esta regra tenha sido revogada, ou, se o endosso acompanha a apólice principal, mas em conformidade com a norma do ramo e modalidade vigente.

Poderíamos discorrer longamente sobre as fontes do direito para então aterrissar na formação, obrigatoriedade e aplicação da lei. Deixamos a teoria geral do direito para uma outra oportunidade, pois o que nos parece importante é destacar a norma vigente para reconhecer a sua obrigatoriedade e conseqüente aplicação em relação ao endosso.

As Circulares SUSEP são formadas por processos distintos aos de formação de leis, mas guardam semelhanças, desde a apresentação do projeto, discussão, revisão e publicação. Com a publicação a norma poderá ter início de vigência imediata ou a terá depois de decorrido a vacatio legis, que é o período de tempo entre a publicação e o início de vigência. Após os procedimentos mencionados impõe-se a obrigatoriedade da norma, inclusive, a teoria da autoridade formulada por Hobbes e Austin, considera a obrigatoriedade da norma uma simples decorrência de força, conseqüentemente, a aplicação da regra sujeita-se à análise do fato, do direito, a interpretação crítica material e formal e, então a aplicação do ordenamento ao caso concreto.

Assim, verifica-se que as Circulares SUSEP, acima mencionadas, seguiram os trâmites para validade plena, e como os negócios de seguro-garantia a elas se sujeitam, estabelece-se uma vinculação entre a força obrigatória da norma em relação ao endosso no seguro-garantia, pois se a regra vigente no momento do endosso não é àquela que vigorou no momento da emissão da apólice principal, o endosso deverá sujeitar-se à égide da norma atual, pois àquela do momento da emissão da apólice principal já não existe no mundo jurídico. Vamos ao exemplo:

Na hipótese de termos uma apólice de seguro-garantia emitida com o fundamento na Circular SUSEP 004/97 em data 09 de setembro de 2001, e esta apólice foi endossada em data de 09 de setembro de 2003, ou seja, quando a Circular SUSEP 004/97 não estava mais em vigor, e, a Circular SUSEP 232/03 era e é a vigente, temos que o endosso fundamenta-se na regra vigente, ou seja, na Circular SUSEP 232 e não naquela norma que vigia ao tempo da emissão da apólice.

Poderia-se pensar, por semelhança, que o acessório sempre acompanha o principal, e que a apólice endosso, independente da norma vigente quando da sua emissão, acompanharia o fundamento da norma de sustentação da apólice principal. Todavia, ao nosso entender, e com o devido respeito, tal interpretação está equivocada, uma vez que a normativa de origem da apólice principal não existe mais, foi revogada, então, a apólice endosso é emitida como acessório da apólice principal, passando a vigorar o seguro pela norma vigente no momento da emissão do endosso, uma vez que este, altera, modifica as condições da apólice principal, e esta alteração ou modificação somente será possível faze-la se estiver estribada na norma vigente e não num regramento extinto.

Portanto, na hipótese acima, ou seja, a emissão, com base na Circular SUSEP 004/97, de uma apólice de seguro-garantia em 09 de setembro de 2001 e, o endosso, em 09 de setembro de 2003, somente poderá ser realizado o endosso com o fundamento na norma vigente, isto é, na Circular SUSEP 232/03, caso contrário, o endosso será ineficaz, uma vez que o fundamento para tanto, não produz efeito no mundo jurídico.

Por fim, vale dizer, que igual a um instrumento contratual, o endosso, se submete a premissas básicas para sua validade, ou seja, capacidade das partes; acordo de vontades; objeto possível e forma prescrita e não defesa em lei. Conclui-se, portanto, que se o endosso é realizado com fundamento em norma inexistente ele não produz efeito jurídico, conseqüentemente, o endosso somente será válido se observar à norma vigente, não observada esta regra, ainda que realizado, será passível de anulação.
Gladimir Poletto

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