Notícias | 30 de outubro de 2020 | Fonte: IstoÉ Dinheiro

Na crise, plano de saúde virou objeto de desejo

Prestes a completar 125 anos, a seguradora vende por R$ 3,2 bilhões sua carteira de autos para ampliar e melhorar seus negócios nas áreas de proteção e cuidados pessoais.


Garantir o acesso à saúde, além de segurança financeira na aposentadoria, está entre as principais atribuições do economista Gabriel Portella. Ele comanda desde 2013 a seguradora SulAmérica, uma das maiores do Brasil e prestes a completar 125 anos – em 5 de dezembro. Entre idas e vindas, são 36 anos de serviços prestados à companhia que agitou o mercado nacional ao anunciar a venda de toda a estrutura envolvendo a carteira de autos para a alemã Allianz, por R$ 3,2 bilhões. “A Allianz supervalorizou ou valorizou corretamente esse processo. Uma das maiores transações do mercado brasileiro de seguro”, disse.


Com base combinada de 4 milhões de clientes pelo Brasil nas áreas de saúde e odontologia, além de 2 milhões em vida e R$ 8 bilhões sob administração na previdência, a seguradora brasileira mantém a estratégia de crescimento durante a pandemia com a conclusão da aquisição da Paraná Clínicas Planos de Saúde, por R$ 385 milhões. Com receita de R$ 22,3 bilhões e lucro líquido de R$ 1,2 bilhão em 2019, a SulAmérica não descarta novos negócios à medida que investe em planos de saúde mais econômicos como opção de atendimento a todas as camadas sociais.

DINHEIRO — Por que a SulAmérica abriu mão do seguro automotivo?
Gabriel Portella — A gente não tinha pensado nessa alternativa. Até porque, dentro da nossa característica multilinear, automóvel e massificados sempre foram carros-chefe em todos os sentidos na companhia. Mas a proposta da Allianz nos fez pensar. E eu, como executivo — a decisão foi do conselho —, não teria resposta para uma pergunta básica que me foi feita: “Você pode dar o retorno para essa carteira no mesmo nível da proposta?” Falei: “Nem pensar.” Porque tinha um valor agregado nessa transação: a compra de um modelo de negócio.


E como foi a transferência para a Allianz?
Tivemos de separar da SulAmérica uma companhia que ia funcionar em todos os processos de forma isolada. Significou a separação de sistemas, processos, toda a parte societária. E 1,7 mil pessoas foram colocadas à disposição da Allianz para essa transação. Uma área extremamente lucrativa, uma joia (com 1,5 milhão de clientes, a carteira de autos representava entre 20% e 25% do faturamento da SulAmérica). Dentro do valor pago estão incluídos o relacionamento com 30 mil corretores e sistema funcionando.


Sem autos, como fica a estratégia de negócios da empresa?
Como saúde, vida, previdência, odontologia e investimentos formavam um conceito de proteção de pessoas, entendemos que tínhamos toda a condição de continuar a nossa expansão, agora muito mais direcionada para os riscos pessoais.

E como está o desempenho nessas áreas?
Entendemos que tínhamos toda a condição de agregar valor aos nossos clientes no conceito de expansão com saúde integrada. Não basta ter a saúde física. Você precisa estar equilibrado emocionalmente. Temos telepsicologia, um dos serviços que mais cresceram na pandemia. Nossa carteira de saúde vem crescendo ano a ano em número de beneficiários, receita e, especialmente, em odontologia, por causa de duas aquisições (Prodent e Paraná Clínicas). Atingimos um patamar de 1,5 milhão de segurados nesta área, e 2,3 milhões de clientes de saúde.


E os demais segmentos?
No seguro de vida, vimos a oportunidade de investir mais na transformação de processo, de sistema, dos canais de comercialização. E o ramo de Previdência também vai muito bem. Temos hoje quase R$ 8 bilhões em reservas. Já a área de investimentos, que é o segundo maior asset independente do País, tem R$ 46 bilhões sob administração. São grandezas diferentes. Do nosso portfólio, 93% da receita é saúde. De maneira geral, temos volume para suportar uma operação isolada.


De que forma a pandemia afetou os negócios da SulAmérica?
Tínhamos 5,4 mil funcionários que, em uma semana, estavam em casa. Havíamos concluído uma debênture de R$ 500 milhões uma semana antes da pandemia, o que nos deu muita tranquilidade para enfrentar esse período. Não paramos nem por um dia.


Houve redução na base de clientes?
Pelo contrário. As pessoas sentiram a necessidade de ter uma cobertura securitária em saúde e vida. Então, o nível de inadimplência foi muito baixo. Houve algum efeito de redução de pessoas nas empresas, principalmente nas grandes. Mas como as vendas continuaram acontecendo, o portfólio geral da companhia não decresceu.


O índice de sinistralidade no segundo trimestre ficou em 69,1%, após queda de 11,7 pontos percentuais em um ano. Como está agora?
As pessoas ficaram com medo. O nível de redução em determinadas especialidades foi muito grande: pronto-socorro, por exemplo, caiu 40%. Exame também diminuiu bastante. Nesse ponto, a telemedicina ajudou muito a evitar idas desnecessárias ao pronto-socorro, o que colocaria a população até em maior risco.


E o que mudou na rotina e no planejamento?
Além do acesso à rede de forma remota, aceleramos a transformação digital e todo processo de medicina conectada, com os programas Médico na Tela e Psicólogo na Tela. Saímos de um patamar de 500 consultas mensais com o Médico na Tela, por exemplo, para 68 mil. Lançamos ainda produtos de previdência (como o SOS Prev), permitindo que a pessoa possa fazer empréstimo sobre o seu saldo. Enfim, só aceleramos tudo aquilo que já estava dentro da própria estratégia da companhia.


A aquisição da Paraná Clínicas fazia parte dessa estratégia?
Um dos objetivos era promover o nosso crescimento no setor odontológico. Saímos de 80 mil vidas para 1,5 milhão. Outro ponto foi o fato de ser uma empresa bem gerida e que nos traz uma boa experiência com a atenção primária em centros médicos.


O reajuste anual do plano de saúde é sempre motivo de contestação.
O reajuste tem relação muito forte com o índice de preços. No mundo inteiro a chamada inflação médica é o múltiplo da inflação geral. No Brasil, a relação não é das maiores do mundo. Segundo ponto: para o segurador o reajuste não é bom. É a pior coisa que tem, porque você coloca o segurado em risco, e ele começa a ver alternativas. O reajuste leva em conta a expectativa que temos para os próximos 12 meses de uma possível correção de variação de custos. Essa variação tem dois componentes importantes: a freqüência de utilização do plano e a variação médica, que são as novas tecnologias, novos procedimentos, o aumento de custos hospitalares, valor da consulta, dos exames… A frequência tem sido nos últimos anos um dos principais fatores do reajuste. Quantas vezes se foi a um pronto-socorro de forma desnecessária ou se repetiu um exame que tinha acabado de ser feito?


Seguradoras tradicionais agora concorrem com fintechs? Qual sua análise da situação?
Antigamente, se ouvia que a chegada dos bancos iria acabar com o mercado de seguro tradicional, que a profissão de corretor de seguros morreria. E os bancos acabaram expandindo o mercado. Vejo a concorrência como oportunidade de eu também expandir meu negócio. Não desprezo a concorrência. E sem ela talvez não investíssemos tanto para a melhoria de processos. Acho que vou ganhar velocidade com mais gente entrando no mercado.

No Brasil, estima-se que sejam 46 milhões de segurados na saúde. Tem muito a ser buscado ainda?
Nessa crise, saúde virou objeto de desejo. Isso foi muito acentuado na pandemia. Mas depende muito do desempenho econômico do País. Nos últimos anos, não tivemos um primor de crescimento da economia, nem aumento de renda, nem de emprego. Pelo contrário. Então, o mercado vem andando um pouco de lado por causa dessas crises. Mesmo assim, sou sempre otimista em relação ao futuro. Somos uma empresa que vai fazer 125 anos, que já viveu guerra mundial, pandemias, e está aí viva, rápida e crescendo.


Temos um cenário de desemprego crescente, perda de renda pela população, além do provável fim do auxílio emergencial em dezembro. Dá para fazer alguma projeção para os negócios da SulAmérica em 2021?
Em todos os anos, olhamos para a nossa capacidade. Não menosprezo previsões macroeconômicas. Mas quaisquer que elas sejam, olhamos para as oportunidades.


A reforma da Previdência foi positiva?
A reforma trouxe uma discussão importante. Independentemente do que fosse gerado como projeto final, ficou a certeza para todos de que a previdência precisava ser complementada. Tem um ponto importante que a gente não se dá conta. Existem processos na previdência que são culturais. No nosso caso, eles vêm desde o dia em que a gente começou a poder dizer que dava para fazer algum planejamento financeiro. Isso em 1994. É muito pouco tempo para você gerar uma cultura de previdência.


Qual a sua posição sobre o trabalho do governo na área econômica? E a respeito da reforma tributária, ainda no papel?
Fico sempre esperando um vento a favor da economia para que eu possa crescer ainda mais e acelerar o meu processo. Mas acho que o empresário brasileiro aprendeu a lidar com as dificuldades.

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