Notícias | 18 de maio de 2004 | Fonte: O Estado de São Paulo

Mudança no IR deve pesar mais na classe média

Para compensar correção da tabela, Executivo estuda criação de alíquota de 30%
SÉRGIO GOBETTI

BRASÍLIA – Cerca de 1,2 milhão de contribuintes do Imposto de Renda que ganham mais de R$ 5 mil mensais (equivalente a R$ 4 mil em 2001) poderão acabar pagando a conta por uma eventual mudança na tabela de contribuição que alivie a situação dos trabalhadores de baixa renda. O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, tem evitado comentar as simulações que têm à mão para negociar com o Congresso, mas entre elas existe a criação de uma nova alíquota de 30% para compensar a “perda de arrecadação” com uma correção da tabela do IR de pelo menos 11,32%.

No passado, o governo já chegou a cobrar uma alíquota de 35% no IR, mas de um reduzidíssimo grupo de brasileiros que ganhavam o equivalente, nos dias de hoje, a R$ 20 mil mensais. No PT, a idéia de ressuscitar essa cobrança adicional sempre teve inúmeros defensores, mas a versão que atualmente se discute na Receita atinge um universo muito superior de brasileiros, que varia entre aqueles que ganham mais de R$ 4 mil a R$ 6 mil, e dificilmente seria aprovado pelos parlamentares. Na prática, os próprios técnicos da Receita sabem disso, mas estão utilizando as simulações para assustar os líderes governistas.

“Eu gostaria de cobrar até 35%, mas de um andar superior. Qual andar é este, ainda não sei”, afirma o deputado Carlito Merss (PT-SC), indicado pelo presidente da Câmara, João Paulo Cunha, para representá-lo nas conversas com a equipe econômica.

No levantamento mais atualizado da Receita, com dados das declarações de 2002, os 1,2 milhão de contribuintes que na época ganhavam mais de R$ 4 mil – representantes da chamada classe média alta – contribuíram com 78% do imposto arrecadado. Os demais 14 milhões de contribuintes participavam com os 22% restantes. Em média, o primeiro grupo deixou com o Leão cerca de 17% de sua renda bruta, enquanto o segundo batalhão foi mordido em apenas 2,8%.

Em tese, esse quadro não tem nada de anormal e é até recomendável dentro do “princípio da progressividade” que norteia a tributação de renda em todo o mundo: quem ganha mais deve pagar mais para compensar a tributação sobre o consumo, que proporcionalmente é mais pesada para os pobres. Em alguns países europeus, a alíquota máxima do IR chega a 50%, mas dentro de uma tabela com inúmeras faixas de desconto.

No Brasil, existem hoje apenas três faixas: a isenta, até R$ 1.058; a de 15%, até R$ 2.115; e a de 27,5%, acima disso. Em valores atuais, segundo cálculos da Consultoria de Orçamento do Congresso, os limites da tabela que vigoravam em 1996 eram de R$ 1.590 e R$ 3.180. Um retorno para esse patamar tiraria do governo uma arrecadação de R$ 7 bilhões anuais. Já uma correção da inflação do governo Lula (11,32% até agora, com impacto de R$ 1,2 bilhão) parece bem mais suportável dentro do atual quadro de restrição fiscal.

Mas as objeções da equipe econômica à mudança vão além da questão meramente fiscal e incluem argumentos como: uma minoria da população economicamente ativa (6,6%) contribui para o Leão, e o limite de isenção atual representa uma vez e meia a renda per capita. Em recente discurso para os metalúrgicos do ABC, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a qualificar de “privilegiado” quem pode pagar imposto de renda.

De acordo com Carlito Merss, o atual movimento político por mudanças no IR – que inclui desde a CUT e a oposição até o próprio presidente da Câmara – deve ensejar “uma bela discussão conceitual”. “Como cidadão, estou maluco por uma correção da tabela, mas temos de ponderar quais as melhores alternativas. Não dá para fazer demagogia barata”, diz o petista.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre “As fontes de rendimentos dos ricos no Brasil”, por exemplo, enquadra nesse estrato os 0,9% da população que viviam em 1999 com uma renda familiar per capita superior a R$ 2.170, o que equivale hoje a R$ 3.290. Curiosamente, entretanto, esse estudo constata que 75% do rendimento desses “ricos” provêm do trabalho, índice bem próximo dos “não-ricos” (79%). Esse dado coloca sérias dúvidas sobre os critérios de classificação da riqueza no País, por mais pobre que seja a maioria de sua população.

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