Notícias | 20 de agosto de 2003 | Fonte: Folha online

Mercado e governo disputam R$ 4 bi do seguro de acidente

Na surdina, o governo conseguiu colocar no texto da reforma da Previdência um artigo que mantém sob controle do Estado o seguro de acidente do trabalho. Garantiu, assim, que uma receita bilionária –R$ 4,2 bilhões no ano passado– não migre dos cofres públicos para os das seguradoras, ligadas a bancos.
Parte desse seguro foi privatizada em 1998, durante a reforma feita pelo governo Fernando Henrique Cardoso, mas a mudança nunca foi regulamentada. Na prática, ele continua, até hoje, fazendo parte das receitas do Ministério da Previdência.
O PT já havia tentado, no ano passado, bloquear a participação da iniciativa privada nessa modalidade de seguro, por meio da emenda 507, de autoria do então deputado Ricardo Berzoini (SP), atual ministro da Previdência. Tal emenda nunca foi votada.
O relator do texto da reforma, José Pimentel (PT-CE), ressuscitou a proposta de Berzoini, que passou batida no plenário durante a votação na semana passada.
As seguradoras, que há quatro anos estão de olho nesse mercado –já têm até um projeto para lançar um modelo de seguro privado para os acidentados no trabalho– estão armando seu lobby para tentar derrubar essa parte do texto de Pimentel, no Senado.
“A estatização do seguro foi uma coisa que caiu de pára-quedas na votação na Câmara, não foi discutida com a sociedade”, protesta Nilton Molina, vice-presidente da Fenaseg (Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização).
Pimentel nega: “Discutimos desde o início com a sociedade. É um tema que os sindicatos, por exemplo, seguiram de perto”.
Um assessor técnico do parlamentar admitiu à Folha que, de fato, não houve alarde, “pois tinha muita gente contra, inclusive o PFL”. “Passou despercebido. Não colocamos força para aprovar com mais rapidez. Caso contrário, os lobbies teriam se armado”.
Molina diz que a Fenaseg está articulando com as bancadas do PSDB e do PFL no Senado para conseguir um destaque de votação em separado do texto em que Pimentel “reintroduz o seguro exclusivamente público para cobertura de riscos de acidentes de trabalho”, conforme a emenda.
O setor financeiro ajudou a financiar campanhas de parlamentares de vários partidos.
Segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), senadores do PSDB e do PFL receberam, ao todo, mais de R$ 1,5 milhão de bancos e seguradoras. Romeu Tuma (PFL-SP), por exemplo, recebeu R$ 200 mil só do Itaú, que deu ainda R$ 100 mil para o líder do PSDB na Casa, Arthur Virgílio (AM), e para o ministro da Educação, Cristovam Buarque (PT), eleito senador.
De sua parte, o governo não pretende abrir mão das receitas do seguro que, além de financiar as pensões pagas aos inválidos, ainda deixa uma sobra considerável no cofre da Previdência. A Folha apurou que cerca de 30% dos recursos ficam para o caixa geral.
“O ministério apoiou a iniciativa de Pimentel porque a transferência dos recursos do seguro acidente do trabalho para a iniciativa privada geraria um desequilíbrio nas contas da Previdência no curto prazo”, diz Geraldo Arruda, diretor do Departamento do Regime Geral da Previdência Social.
Segundo Arruda, se as empresas passassem a contratar esse seguro junto às seguradoras, o ministério perderia receitas, mas teria de continuar pagando as pensões por invalidez hoje em vigor. “Para não ter desequilíbrio, parte dessas pensões teriam de ser, também, transferidas para as seguradoras”, argumenta.
Filé mignon
As seguradoras, porém, no modelo de seguro desenhado pela Fenaseg, só se responsabilizariam pelos trabalhadores que se acidentassem após a contratação do seguro pelos seus empregadores.
“A seguradora quer entrar nesse mercado não para perder dinheiro. O regime proposto é o de capitalização, arrecada-se hoje para cobrir riscos futuros”, diz Oswaldo Mario de Amorim Azevedo, coordenador do grupo da Fenaseg que desenhou o modelo privado de seguro de acidente do trabalho. Segundo Azevedo, a emenda constitucional nº 20, que abriu o mercado em 98, não levaria à privatização do seguro, mas à “concorrência” entre o setor público e o privado.

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