Notícias | 29 de junho de 2004 | Fonte: Jornal do Commercio

Legislação previdenciária é confusa

Advogados criticam a complexidade e a difícil compreensão das leis

A complexidade da legislação previdenciária, segundo os profissionais que atuam na área, leva a diversas interpretações sobre uma mesma matéria e abre espaço, de acordo com os críticos do sistema, para que os funcionários da Previdência Social interpretem as leis à sua própria maneira. O advogado Diamantino Silva, por exemplo, defende uma simplificação de toda a legislação.

Para Diamantino, um dos mais graves problemas cometidos pela Previdência Social é o que classifica, como uma tendência de regular os direitos de terceiros apenas com instruções normativas, quando atos do gênero deveriam estar previstos em leis votadas no Congresso Nacional.

Diamantino Silva Filho diz também que muitas das alterações, votadas ao longo dos últimos anos, são inconstitucionais e deverão, inclusive, ser derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Um exemplo é a taxação de 11% sobre o benefício dos inativos do setor público aprovada em 2003. Isto é inconstitucional e o Supremo deverá derrubar, pois o valor do benefício pode até não aumentar, mas a Constituição diz que não deve diminuir. A legislação referente à Previdência é muito confusa e muito do que se tem feito tem como objetivo apenas arrecadar mais e não resolver a crise estrutural do sistema. São leis muitas vezes tolas ? comenta o advogado.

Geraldo Arruda responde que o grau de profissionalização dos servidores da Previdência ? mais de 40 mil em todo o País tem aumentado muito nos últimos anos. Além disso, as instruções normativas baixadas pelo órgão não criam ou eliminam direitos, apenas os regulamentam, sempre respeitando a Constituição.

Ninguém cria nada. O que é falado de forma genérica na Lei, para que seja factível deve ser alvo de Portarias e Instruções Normativas, sem as quais a Previdência e mesmo outros órgãos públicos não poderiam funcionar. A prova de que não há arbitrariedades é que a maioria das ações contra a Previdência, quando chegam aos tribunais superiores, dão ganho de causa ao Governo ? responde o representante da Previdência Social.

Alterações recentes buscam corrigir distorções passadas

Ele admite que pode existir alguma complexidade na legislação, mas faz questão de enfatizar que o fato pode ser considerado normal, diante de um quadro de profundas transformações sociais e econômicas em todo o mundo.

A Previdência Social no Brasil deveria ter começado a passar por mudanças ainda nos anos 70, quando outros países caminharam neste sentido. Demoramos muito e, por isto, várias legislações surgiram uma atrás da outra na década de 90 e no início desde século. O que está ocorrendo é que estamos recuperando o tempo perdido, mas sempre com o objetivo de tornar o sistema justo e viável ? garante Arruda.

Cássio Mesquita Barros diz que o total de 22 benefícios previstos na Previdência Social poderia ser simplificado, o que reduziria a necessidade de tanta legislação relativa à área.

Promete-se muito, mas estas promessas estão acima das possibilidades de custeio da Previdência e isto leva à edição de instruções atrás de instruções ou mesmo de novas leis diz Barros.

O professor da USP assinala que, entre as dúvidas mais freqüentes dos usuários da Previdência, está o chamado adquirido. Cássio Mesquita Barros lembra que, em alguns casos, o que acaba valendo é um sistema de duplo regime jurídico.

Uma pessoa, por exemplo, contribui durante 27 anos para a Previdência, sob um regime que lhe permite aposentar-se com 30 anos de contribuição. Quando estão faltando apenas três anos, a legislação muda e, então, fica a dúvida sobre como ela fica. A tendência tem sido contabilizar os 27 anos de contribuição e aceitar a aposentadoria, quando este trabalhador chegar aos 30 anos. Porém, a base de cálculo para o futuro recebimento do benefício será outro, com uma possível redução, em relação ao que vigorava antes. Trata-se de um direito adquirido mitigado, explica Mesquita Barros.

Outro especialista em Previdência, Wladimir Novaes Martinez, não considera a legislação da Previdência confusa, como alegam alguns críticos. Ele justifica as mais recentes mudanças, pelas próprias transformações que atingiram todo o mundo.

O Governo, é verdade, não costuma cercar-se de técnicos para a elaboração das leis referentes à matéria, o que pode gerar algumas distorções. Porém, as flutuações da economia têm tornado inevitáveis as mudanças na legislação. Infelizmente, aquilo que é necessário acaba sendo feito de forma muito rápida e, como algumas medidas são duras, a confiança da população na Previdência caiu bastante ? lamenta Martinez.

Ex-funcionário da própria Previdência, o advogado Nilson Santos critica o que chama de “pré-moldes” normativos, adotados pela Previdência Social no País em relação a alguns temas.

Segundo Santos, isto significa que em alguns casos o órgão convencionou que não aceitará o pagamento de benefícios de alguns cidadãos, mesmo que estes tenham direito reconhecido por lei. Para Santos, o fato é muito grave.

Um exemplo são os trabalhadores que durante muito tempo atuaram em setores, nos quais o risco à saúde é maior, como por exemplo a área elétrica ou o trabalho nas minas. Obviamente, o peso em termos de aposentadoria é maior, o que significaria pagamento de um benefício mais amplo ou a contabilidade diferenciada na hora da própria aposentadoria. Pois bem, mesmo reconhecido em lei, a Previdência se nega muitas vezes a conceder este diferencial e, por isto, a pessoa tem que optar pela via judicial, critica Nilson Santos.

Para Marcos Cintra Zarif, do escritório Pires de Oliveira Dias, uma das bases do sistema de leis em qualquer País, a garantia de segurança jurídica, não é oferecida pela legislação previdenciária.

É tudo muito confuso, com dezenas, talvez centenas de alterações em muito pouco tempo. Algumas incoerências e artigos, que entram em choque, às vezes dentro de uma mesma lei. Não é por acaso que muita gente não sabe ao certo quando e como poderá aposentar-se. Uma profunda mudança será necessária, com a elaboração de leis coerentes e que dêem a segurança que todos esperam, afirma.

FISCALIZAÇÃO se mostra deficiente e inadequada

O advogado Alberto Sacras, há muitos anos atuando na área previdenciária, também critica o grande número de artigos de legislação existentes no Brasil no setor e lembra que outro ponto deficiente no sistema é a falta de uma fiscalização adequada.

Ele enfatiza que em muitos casos as empresas deixam de recolher o devido e, mesmo assim, nem o trabalhador, nem o Governo conseguem descobrir. Diante deste quadro, aumenta a importância de o empregado buscar sempre a assinatura da carteira profissional.

Para Wladimir Novaes Martinez, a carteira garantirá ao trabalhador que ele não perca seus direitos se não houver o recolhimento por parte da empresa. Com o documento, lembra Martinez, não haverá nenhum problema.

Não importa se o recolhimento não foi feito. Se a carteira estiver assinada a aposentadoria será concedida do mesmo jeito, pois ali está a comprovação de que o empregado realmente cumpriu seu tempo de serviço. A Previdência tem que cobrar é da empresa, não do trabalhador enfatiza Martinez.

Em todo o País, segundo dados da própria Previdência, existem cerca de 29 milhões de segurados pelo regime geral do órgão e 4,8 milhões de servidores civis e militares, que estão ligados ao sistema. O número de aposentados e pensionistas chega a 22 milhões e o total de auditores responsáveis pela fiscalização é de 4.021 para o País inteiro.

Investimento em tecnologia deveria ser a prioridade

O diretor do Departamento de Regime Geral da Previdência, Geraldo Almir Arruda, reconhece as limitações em termos de pessoal, mas lembra que mais importante do que ampliar indefinidamente o número de fiscais é investir em tecnologia, o que tem ocorrido nos últimos anos.

O universo de empresas no Brasil, são milhões. Nenhum número de fiscais vai poder dar conta, individualmente, de tantas empresas. O que pode ser feito, e está ocorrendo, é investimento em tecnologia para permitir os trabalhos inteligente. Através do sistema mais moderno, o auditor vai diretamente nas empresas, nas quais existem indícios reais de sonegação. Isto é bem melhor do que agir a esmo e aumentando os custos do Estado com a locomoção, diz Arruda.

Um dos objetivos do Governo para a Previdência, assinala Arruda, é elaborar uma codificação para todas as leis hoje existentes na área. Com isto, acredita o representante do órgão, haverá muito mais tranquilidade jurídica.

Isto não é uma novidade. O Governo está trabalhando para simplificar tudo o que existe hoje e a própria Previdência está colaborando jurídica e tecnicamente. Ainda não há uma previsão para que surja esta codificação, mas ela está a caminho, conclui Geraldo Almir Arruda.

NÚMEROS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
29 milhões de pessoas, com idade entre 16 e 59 anos, ligadas ao regime geral do INSS
4,8 milhões de servidores públicos ou militares
7,7 milhões de segurados especiais (setor rural)
22 milhões de pessoas, entre aposentados e pensionistas, benefíciários do sistema
40 mil servidores atuando em todo o País 4.021 auditores fiscais

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