Notícias | 5 de outubro de 2005 | Fonte: Gazeta Mercantil

“E-identifique-se” – Rumo à Identidade Digital Brasileira

Em agosto de 2001, com a publicação da MP 2.200, que criou a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), o governo pretendia disponibilizar aos seus cidadãos uma forma de identificação digital. Após quatro anos de sua implementação, o que será que aconteceu? Essa medida ultrapassou as suas próprias fronteiras e abriu a porta que leva ao sistema nacional de identidade digital? Ou não passou de uma mera tentativa que trouxe apenas mais um encargo para o Estado e um instrumento burocrático? Podemos constatar, ao longo desses quatro anos, o que poderia parecer apenas mais um ato da tecnocracia na era digital, permitiu abrir uma nova fronteira para o relacionamento pessoal, profissional e comercial entre pessoas, empresas e instituições da sociedade civil e do governo, que têm como alicerces a rede digital. A identificação digital criou a forma de uma assinatura digital assimétrica com chave criptográfica, legalmente reconhecida desde que emitida segundo as regras da Infra-estrutura de Chaves Pública Nacional. A referida assinatura permite que o usuário se identifique no meio digital, crie documentos que atestam a sua autoria e asseguram a integridade do conteúdo no processo da transmissão eletrônica. Ela impede o repúdio da mensagem e confere ao documento eletrônico, segundo as regras da ICP-Brasil, o elemento fé-pública, invertendo o ônus da prova, de forma idêntica que a lei consagra ao documento emitido em cartórios. Essas características estão contribuindo, definitivamente, para a criação de um grau de transparência, idoneidade e segurança jurídica nas comunicações on-line, jamais antes alcançada. Hoje, é possível, no momento da criação ou reformulação do documento eletrônico anexar a assinatura digital e um “certificado de tempo” emitido pelo Observatório Nacional; onde obteremos uma combinação do ponto de vista jurídico, já que certificaremos a autoria, o conteúdo e o momento temporal da concepção do documento, respondendo a três questões essenciais para a formação da prova (Quem? O Que? e Quando?), tal fato constitui para o mundo jurídico um passo significativo em termos de prova. Na prática, não será mais necessário comprar o jornal do dia e tirar foto do mesmo para provar a data do acontecimento, sendo possível provar e certificar digitalmente o tempo e formatá-lo na comodidade do escritório. Este processo de identificação digital criou outras extensões além daquelas que as resoluções da MP 2.200 promoveram. Destaca-se a do âmbito tributário, pelo pioneirismo do Brasil, em implantar o envio da declaração de rendimentos via internet e mais recentemente com a criação dos certificados digitais “e-cpf” e “e-cnpj”, além da obrigatoriedade do uso de certificados eletrônicos para a transmissão da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF). Na mesma linha, o Banco Central publicou uma circular que altera a regulamentação cambial, prevendo a assinatura digital em contratos de câmbio, por meio da utilização de certificados digitais emitidos pela ICP-Brasil. Para se adequar às mudanças, a SUSEP, também, determinou a facultatividade da utilização da assinatura digital em documentos eletrônicos de seguros, capitalização e de previdência complementar aberta, estendendo ao mercado de seguros a possibilidade de utilizar o meio digital para o exercício das suas atividades. Com estas modificações na rotina das empresas, se iniciou um movimento de expansão do uso da identificação digital em larga escala. Se continuarmos seguindo esse trilho, o caminho natural será a ampliação dos instrumentos digitais de identificação a outras atividades profissionais e, em especial, às grandes esferas políticas-sociais e econômicas como a esfera eleitoral (e-eleitor), a saúde, a segurança social e previdenciária (e-inss), os sistemas de identificação fronteiriços (e-passaporte) e no final da linha, o próprio RG (e-rg). A escolha do tipo e da natureza da identificação digital é um ato estratégico importante para as economias e países, uma vez que envolve os direitos constitucionais consagrados, contrapondo-se à necessidade de segurança pública aliada aos desafios da nova realidade digital. A quantidade de informação que deve compor o acervo dessa identidade digital (idade, altura, sexo, cor, naturalidade, nacionalidade, tipo sanguíneo, número fiscal e de segurança social, passaporte, profissão, endereço etc.) faz a diferença, porque permite a criação de uma conexão entre a pessoa e a entidade digital, tornando-se uma referência desconectada, não sendo possível estabelecer qualquer conexão/identificação com o ente físico ou jurídico. A opção não é fácil, mas alguns países no mundo já deram os primeiros passos no sentido da criação dessa identidade digital. A Itália já conta com 600.000 cédulas eletrônicas distribuídas no segundo semestre de 2004, que permite o e-cidadão se identificar eletronicamente (votando, pagando impostos, inscrevendo-se para usufruir os serviços públicos estaduais e municipais). O Reino Unido publicou uma lei que instaura a cédula de identidade eletrônica obrigatória, na qual se integrará uma foto do cidadão, as suas impressões digitais e a íris do olho. É natural que se comecem a questionar quais os contornos do que será a identidade digital brasileira, buscando encontrar o sempre difícil equilíbrio entre a necessidade de identificação que o Estado e o mercado têm, relativamente, aos seus cidadãos e agentes, e o respeito pelos direitos e garantias individuais de liberdade, vida privada, honra e intimidade. A tarefa, como dissemos, envolve por um lado, a necessidade de estabelecer um perfil (o mais amplo possível) para essa identidade digital, contemplando verdadeiros links e conexões com a identidade física do cidadão (para identificação civil e criminal), mas ao mesmo tempo, deve permitir-lhe a capacidade de manter o seu anonimato ou o não fornecimento de características da sua identidade, sempre que tal não seja essencial ou legalmente exigível para o serviço ou produto eletrônico que pretende utilizar, seja ele público ou privado, a fim de evitar a proliferação de informações, o seu uso indevido ou o abuso de poder em violação aos princípios democráticos. Este desafio será um dos principais marcos dessa revolução que a era digital trouxe. Um passo essencial para o desenvolvimento e percepção dos seres humanos, das empresas e instituições sociais enquanto comunidades e entidades operantes no ambiente on-line. A semelhança com o passado em relação a quem primeiro descobriu e implantou a sua cultura e língua assegurou a presença pelos séculos que vieram, da mesma forma que a inclusão da identidade digital e a capacidade de comunicar-se através da mesma fará a diferença para as culturas que ficarão na memória, e se implantarão nesse novo espaço de interação humana: o ciberespaço. E-identifique-se! (é advogado especialista em Ludovino Lopes direito digital do Menezes e Lopes Advogados).

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