Notícias | 3 de março de 2020 | Fonte: Jornal do Comércio

Direito do Seguro não falha ao atender a novas demandas

No Brasil, os meses de janeiro e fevereiro, há muitos anos, são marcados pelas fortes chuvas e enchentes. Em 2020, não foi diferente. O Rio Grande do Sul e outros estados do País enfrentaram dificuldades oriundas de situações climáticas. Nesse contexto, é possível perceber uma preocupação por parte da população sobre os assuntos referentes ao mundo dos seguros. Por isso, em entrevista ao Jornal da Lei, o presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), Ernesto Tzirulnik, analisou alguns pontos sensíveis dessa temática.

Jornal da Lei – O Brasil está passando por muitas enchentes neste período do verão, o que traz uma preocupação extra sobre o seguro de bens. O que um segurador pode deixar de cobrir quando o assunto envolve desastres naturais?

Ernesto Tzirulnik – Em primeiro lugar, devemos lembrar que, no seguro, existe uma divisão antes de existir os riscos cobertos e os não cobertos, que são os riscos dolosos e os culposos – associados à falta de cuidado por parte do segurado. Os seguradores não devem cobrir os riscos que são muito próximos do dolo e da culpa gravíssima. Os demais, são assegurados. Por exemplo, em relação à chuva, tem o risco de extravasamento da calha por excesso de água. Esse risco costuma ser excluído, porque o segurador não quer que o segurado deixe de limpar a calha só por ter o seguro. Então essas exclusões estão ligadas, em princípio, à conduta do segurado. É importante lembrar que o seguro não garante a coisa. O segurado não faz um seguro do automóvel, faz um seguro dos seus interesses em relação ao automóvel. O que o seguro garante é a relação de interesse econômico entre uma pessoa e um bem qualquer. Em princípio, o seguro garante todos os interesses. Por exemplo, se um seguro de automóvel não exclui nada, aquele bem está garantido de qualquer risco. Alagamento, enchente, colisão, roubo, choque. O que quer que aconteça com o automóvel, vai estar garantido. Menos aquilo que for doloso do segurado, ou que seja uma demonstração de absoluto desinteresse do segurado para com o automóvel.

JL – Todas as apólices têm exclusões? A que pontos os segurados devem se atentar?

Tzirulnik – Praticamente todas as apólices têm exclusões, e é aí que mora o problema. Quando alguém contrata um seguro, tem que ver primeiro o que está garantido. Só para ver se os interesses que pretende garantir com o seguro estão contemplados. Visto isso, o segurado tem que ver com muita atenção, usando uma lupa, as cláusulas de exclusão. As cláusulas de exclusão são de interpretação restritiva. Se a seguradora faz uma exclusão mal escrita, não vai ser interpretada contra o segurado, mas sim contra a seguradora. A empresa é responsável por escrever todas as apólices, então deve ter cuidado com a clareza naquilo que quer excluir. Deve tomar muito cuidado na leitura de riscos excluídos. Se o segurado achar que aquilo não atende aos seus interesses, deve conversar com a seguradora. A apólice é um documento que a seguradora emite para o segurado depois de contratar o seguro. É preciso ler essas apólices. Os tribunais entendem que, se o segurado recebeu uma apólice e passou a pagar os prêmios, significa que ele estava de acordo. Então, quando acontece um sinistro, tendem a resolver em favor da seguradora no caso de exclusão. O problema todo está ligado à falta de atenção de corretores e segurados para a leitura dos clausulados nas apólices emitidas.

JL – Quais são as maiores preocupações do segurador nesse âmbito?

Tzirulnik – Além de os seguradores não poderem e não gostarem de segurar o dolo, eles também têm medo de catástrofes. Os seguradores têm medo de terremoto, de guerra, de maremoto, de inundação e de todos os riscos que podem causar danos a uma massa imensa de segurados. As catástrofes causam danos agigantados ou causam tantos danos pequenos que passa a ser antieconômico manejar a própria regulação dos sinistros que acontecem. Por exemplo, as pessoas não acham que um vento vai derrubar uma estrutura e, portanto, costumam fixar um limite menor para vendavais. Inclusive, nesses casos, algumas seguradoras costumam excluir, porque sabem que, em princípio, o risco de um vendaval causar uma destruição é pequeno. Um vendaval pode destelhar um prédio, mas não pode derrubar. Já um incêndio pode destruir. Além de não querer garantir o desleixo grave do segurado, o segurador também não vai querer garantir os sinistros de maior repercussão. Seja uma repercussão horizontal, na quantidade de segurados; ou vertical, na gravidade do efeito.

JL – Como os seguradores estão enfrentando as novas demandas da área? A quantidade e a variedade de sinistros cobertos aumentou nos últimos anos?

Tzirulnik – Hoje em dia, o que acontece muito comumente é que, em função de concorrência predatória e de uma política demasiada do mercado segurador, os seguros acabam dando prejuízo no momento do sinistro, se não forem muito bem cuidados pela seguradora. Tenho dois clientes que ligaram para falar de problemas com obras que estão sofrendo ameaças de erodir por causa da chuva. É uma demanda nova nos riscos de engenharia. Cada dia, com base na experiência de sinistros, cláusulas novas têm de ser escritas. Todo ano vemos muitas apólices que estão diferentes do ano anterior.

JL – Como o senhor identifica os problemas do Direito do Seguro acerca da legislação?

Tzirulnik – O Brasil vem tratando o seguro como uma forma de cobrança. O seguro é visto como arrecadador de grandes capitais, mas pecam em olhar o conteúdo dos contratos. Antes, tínhamos um monopólio no mercado de seguradoras no País. Quando houve a abertura do mercado, após 70 anos, as pessoas estavam muito preocupadas com o volume e a internacionalização dos negócios, mas não estavam preocupadas com o conteúdo dos contratos. Quando acabou o monopólio, começamos a ouvir falar de expressões como riscos declináveis, ou seja, falta de apetite do mercado ressegurador para determinados riscos. As seguradoras tinham uma ampla capacidade de recolocação. O mercado não tem mais apetite, ele não é mais obrigado a assumir todos os riscos. Em 2004, quando estava para acontecer a quebra do monopólio, foi apresentado um projeto de lei de contrato de seguro. O Brasil não possui regulamento jurídico específico bem pensado e bem estruturado para regular contrato de seguro. São poucos os artigos no Código Civil que não representam de forma nenhuma aquilo que a modernidade exige da legislação de seguro. Então precisávamos de uma lei mais moderna, dinâmica e mais especial para cuidar do contrato de seguro, que tinha assumido uma importância muito grande na sociedade e que ia mudar radicalmente em razão da mudança da estrutura do resseguro. Esse foi o primeiro projeto de lei de contrato de seguro da história do País. O que consta no Código Civil é antiquado, mesmo sendo de 2002, foi elaborado uns 30 ou 40 anos antes. Então, quando chegou, já estava com quatro décadas de atraso diante de um mercado que se desenvolveu muito nesse meio tempo. O Brasil ainda precisa de uma lei de contrato de seguro, e, hoje, já existe um projeto. Mas a área econômica do governo não quer lei de contrato de seguro e não quer regular o contrato. Lamentavelmente, tem sido desde o governo Lula.

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