Notícias | 14 de julho de 2004 | Fonte: Valor Econômico

Cresce número de processos por crime tributário contra empresários

Advogados que atuam no setor empresarial têm andado às voltas com processos penais contra seus clientes por crimes contra a ordem tributária. Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) já tenha decidido que, enquanto durar o processo administrativo que apure crime tributário, a autuação da Receita Federal não pode ser enviada ao Ministério Público Federal para abertura de inquérito, não é o que vem ocorrendo na prática. Os fiscos federal e estaduais, não raro, enviam suas autuações para os procuradores e promotores sem que a empresa tenha a chance de se defender administrativamente. O resultado é o oferecimento de denúncias para a abertura de ações criminais com pedidos de prisão preventiva, muitas vezes aceitas pela Justiça.

O aumento dos casos de processos penais pode ser comprovado pelo crescimento dos pedidos de habeas corpus nos tribunais federais e estaduais. Tome-se como exemplo o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, com sede em Porto Alegre e abrangência nos três Estados do sul do país: os recursos denominados “habeas corpus tributário” têm entrado em maior número desde 1998. Nesse ano, foram 46 habeas corpus distribuídos no tribunal. Em 2003, eles chegaram a 87. E somente neste ano, 33 habeas corpus ingressaram no tribunal até o mês de abril.

Os números não se referem apenas a ações penais instauradas contra empresários, administradores e executivos de empresas que sofreram autuações dos fiscos e não tiveram seus processos administrativos concluídos. Mas são um indicativo de que o movimento de empresas em busca de defesa na esfera criminal nos escritórios de advocacia está crescendo. “Se pegarmos a jurisprudência antiga dos tribunais em habeas corpus tributário, acharemos casos graves, mas, de 2000 para cá, as ações penais têm sido usadas como mecanismo de pressão dos governos”, diz o advogado Yun Ki Lee, do Dantas, Lee e Brock Advogados. De acordo com ele, o padrão dos processos penais costumava ser de casos de retenção de contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) dos funcionários não recolhidas ao fisco, o que caracteriza apropriação indébita. Mas hoje, segundo ele, há uma nova interpretação, por parte dos fiscos, do que seja crime tributário. “O mero não-pagamento de um tributo hoje já é considerado um indício de crime tributário para representação ao Ministério Público”, diz.

O problema está na interpretação da legislação. A Lei nº 9.430, de 1996, estabelece, no artigo 83, que a representação fiscal de crime contra a ordem tributária deve ser encaminhada ao Ministério Público após a decisão final do processo administrativo. Mas, até a decisão do Supremo, do fim do ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendia que a instância penal e a administrativa eram independentes, e, portanto, os processos poderiam correr paralelamente. “Isso fez com que houvesse casos em que o contribuinte ganhava o processo administrativo mas continuava respondendo a ação penal na Justiça”, afirma Yun Ki Lee.

Em geral, os advogados conseguem suspender na Justiça a ação penal até a decisão do processo administrativo, por meio de habeas corpus. Foi o que aconteceu com dois sócios de uma empresa paulista de grande porte que atua na área de informática e tecnologia. No início do ano passado, a empresa foi autuada pela Receita por ter utilizado créditos tributários indevidamente. O fiscal, durante a fiscalização na empresa, pediu seus documentos e lavrou o auto de infração. No fim do ano, a Receita encaminhou a infração ao Ministério Público Federal, que ofereceu a denúncia à Justiça, sem a realização de inquérito. “O juiz recebeu a denúncia e a ação penal foi instaurada, com intimação dos dois diretores da empresa no início deste ano”, conta Lee, que defende a companhia. Ele afirma que os diretores foram citados para interrogatório e seus nomes foram direto para a folha de antecedentes criminais, o que causou constrangimento aos empresários até a obtenção do habeas corpus pelo escritório de advocacia. Hoje, a ação penal está suspensa por liminar e o processo administrativo ainda está em tramitação. “Mas, sem a liminar, o juiz poderia decretar a prisão dos sócios e a quebra de sigilo bancário”, diz o advogado.

No ano passado, o escritório Manhães Moreira Advogados Associados obteve mais de 20 liminares em habeas corpus para suspender ações penais e inquéritos policiais causados por autuações dos fiscos. “Mas, se o STF entender ser inexistente o crime fiscal até o fim do processo administrativo, tanto a ação penal quando o inquérito não poderiam existir, já que não há crime”, diz o advogado Fernando Trizolini, do Manhães Moreira. No Marcondes Advogados Associados, o advogado Eduardo Pierre Tavares, diretor do departamento de direito penal da banca, se deparou, em menos de dois meses, com dois casos de habeas corpus em ações penais por suposto crime tributário em função de autuações do fisco paulista. “E tenho cem inquéritos em andamento, todos em âmbito estadual, causados por autuações do fisco enviadas ao Ministério Público”, diz.

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