Notícias | 27 de julho de 2020 | Fonte: Estadão

Covid-19 e os seguros de vida

Antonio Baptista Gonçalves e Carolina Soares Ribeiro*

2020 é o ano que representa o marco para as seguradoras, mais especificamente, para o segmento de seguros de vida. Até então, era praxe nos contratos de adesão, a previsão do não pagamento de indenização em caso de falecimento, por conta da cláusula de Excludente de Responsabilidade em decorrência de força maior, o que pode incluir catástrofes e pandemias, desde que decretado por autoridade competente. Porém, o Brasil não havia passado por nenhum acontecimento similar desde a criação do Código de Defesa do Consumidor, portanto, não havia dúvidas ou restrições dos contratantes e as seguradoras nunca haviam sido acionadas por este motivo.

Com a pandemia do COVID-19 os questionamentos não tardaram a chegar nas seguradoras por parte de segurados temerosos de eventual não pagamento de indenização. Indagada a respeito, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP prevê no art. 12°, I, d, da Circular n° 440, de 27 de junho de 2012, tal modalidade de riscos excluídos, portanto, confirmou que não haveria nada a ser pago pelas seguradoras. Fato este que ensejou insegurança, preocupação e uma necessária reflexão sobre o tema.

Antes de adentrar na análise jurídica e seus desdobramentos sobre a questão expliquemos o que vem a ser um seguro de vida.

A função de um seguro de vida é assegurar uma monta pecuniária a ser paga pela seguradora em caso de falecimento do contratante aos beneficiários escolhidos por ele. Inclusive pode contratar mais de um, a sua livre escolha e, igualmente, fixar o valor a ser indenizado. Há especificações e variações entre eles: 1) pode ser contratado somente o pagamento da indenização para o próprio segurado (no caso de invalidez), para os beneficiários, ou ambos; 2) cobertura relacionada à morte (contemplado seja por morte natural ou acidental); 3) cobertura apenas por morte acidental. Além disso, há modalidades de seguro de vida: resgatável, temporário, vitalício ou por sobrevivência.

Além destas, ainda é possível incluir a assistência funeral, isto é, a seguradora se encarrega de arcar com as expensas relacionadas desde o óbito até o enterro do segurado, com variações do tipo de serviços prestados como locação de jazigo, transporte do corpo, velório, dentre outros. Ou, por fim, o auxílio funeral, um reembolso, que será limitado ao valor acordado entre as partes.

De tal sorte que a linha que separa a tranquilidade financeira ou não da família do ente que veio a óbito por conta do COVID-19 é tênue, pois, sem prévia justificativa, as contratadas poderiam se recusar ao pagamento das indenizações. A SUSEP e 80% das seguradoras, representadas pela Confederação Nacional das Empresas de Seguros chegaram a um acordo no final de abril para flexibilizarem as condições contratuais para que, mesmo não havendo a obrigatoriedade, as indenizações fossem honradas para os casos de falecimento por COVID-19, porém, não houve nenhuma alteração legislativa ou sequer um ato normativo da SUSEP sobre o acordado.

Transcorridos quatro meses do COVID-19 com mais de 77 mil mortes, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei n° 890/2020 para incluir o artigo 798-A no Código Civil vigente:

Art. 798-A. O segurador não pode eximir-se ao pagamento do seguro, ainda que da apólice conste a restrição, se a morte ou a incapacidade do segurado provier da infecção por epidemias ou pandemias, ainda que declaradas por órgão competente.

O Projeto de Lei seguiu para a Câmara dos Deputados e, provavelmente, será aprovado. Todavia, qual a necessidade de se criar um dispositivo para um fato que já está acordado entre a SUSEP e as seguradoras? A possibilidade real de não cumprimento. Expliquemos.

O número de óbitos no Brasil em decorrência do COVID-19 é elevado, portanto, os valores a serem suportados pelas seguradoras são maiores do que sua previsão orçamentária na questão dos seguros de vida, ainda mais para um tema que não se previa cobertura. Portanto, há um risco concreto de que os custos com as indenizações desestabilizem financeiramente as seguradoras, inclusive com possibilidade de falência para algumas delas, o que pode resultar em inadimplemento e desguarnecimento financeiro de muitas famílias.

Como não há garantia ou controle sobre a pandemia, o Congresso Nacional se mobiliza para garantir que os segurados recebam o que contrataram, mesmo em caso de pandemia. As seguradoras, atualmente, parecem atuar em consonância sobre o tema, pois, passaram a incluir em seus contratos de seguro de vida  a cobertura decorrente do COVID-19, alguns com exigência de um período de carência mínima de noventa dias, o que encontra proteção no Código Civil, através do art. 797, outros apenas com a inclusão da cobertura. No entanto, se a demanda prejudicar a saúde financeira das seguradoras, será que as mesmas regras e acordos tácitos serão adimplidos? Por conta disso, melhor se prever um dispositivo que garanta o que ainda não é compulsório, afinal, o que é tratado e previsto não é caro para nenhuma das partes.

Da forma como está, sem proteção normativa, a possibilidade de ingresso no Judiciário com questionamentos para o pagamento dos seguros de vida somente aumenta. O que pode representar demora, recursos e longas discussões jurídicas que resultarão no desamparo por longos meses de pessoas que contavam com um importe financeiro que pode tardar sensivelmente a chegar, ser protelado, ou após anos de conflitos, se concluir que nada será recebido, o que pode implicar em dificuldades econômicas para os beneficiários do segurado. Prudência, previsão legal e adequação para tempos excepcionais será essencial para que nem seguradoras e nem segurados sejam prejudicados. Acerta o Congresso Nacional e a população agradece.

*Antonio Baptista Gonçalves é advogado, pós-doutor, doutor e mestre pela PUC/SP e presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB/SP – subseção de Butantã

*Carolina Soares Ribeiro é graduada em Direito, pós-graduada em gestão estratégica de negócios pelo INPG e corretora de seguros

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