Notícias | 19 de abril de 2004 | Fonte: O Globo

Cargo executivo vira profissão de risco

Ser executivo, quem diria, virou trabalho de risco. O Novo Código Civil colocou os profissionais de alto escalão na alça de mira. Agora, presidentes, diretores, membros do conselho de administração e mesmo gerentes estão sujeitos a processos de responsabilidade civil por atos de gestão que colocam em jogo não o caixa da empresa, mas sim o patrimônio do próprio executivo, que pode ter que pagar do próprio bolso eventuais indenizações. Ou seja: quem sentir-se lesado por uma empresa – como em casos de concordata ou o recall de um veículo – pode entrar com uma ação contra o profissional, não mais apenas contra a empresa.

Mas o que é motivo de preocupação para alguns é oportunidade de negócio para outros. E a nova realidade está impulsionando as vendas dos chamados seguros de responsabilidade civil para executivos, que atendem por um pomposo nome em inglês: Directors and Officers (D&O).

O produto existe há 40 anos nos EUA, onde estima-se que mais de 90% das empresas tenham esse tipo de cobertura. No Brasil, o produto foi lançado em 1997, mas só de dois anos para cá ganhou fôlego, no rastro dos escândalos corporativos. Apenas duas empresas atuam neste ramo no país. Na seguradora Chubb do Brasil, os pedidos deste tipo de seguro somaram 418 em 2003, um aumento de 130% em relação ao ano anterior. Na Unibanco AIG, a modalidade gerou um faturamento de R$ 56 milhões em 2003 – 80% do faturado por este tipo de seguro.

Não é para menos. Segundo Patrícia Molino, diretora da consultoria KPMG, esses seguros já fazem parte do pacote de remuneração dos executivos (os custos ficam por conta da empresa) e só aumenta o número de profissionais que exige a contratação do produto antes de aceitar uma oferta de emprego.

A Petrobras, por exemplo, foi uma das pioneiras na aquisição do produto, em 2000. A partir de 2002, o estatuto da empresa tornou obrigatório o seguro. A proteção garante a tranqüilidade não só do presidente, José Eduardo Dutra, mas também de diretores, gerentes e conselheiros.

As apólices costumam ser amplas: cobrem custos de defesa e indenização em processos trabalhistas, por quebra de contrato, atraso no pagamento de dividendos, danos ambientais e mesmo acusações de discriminação racial e assédio sexual. Em alguns casos, cobre inclusive a imagem do executivo, se ela for arranhada, arcando com custos de publicidade e relações públicas.

Tanta proteção tem preço. E bem salgado, diga-se de passagem. Varia de 0,8% a 5% do valor segurado. Na Unibanco AIG a apólice mais elevada tinha um valor segurado de US$ 100 milhões. Neste caso, o custo anual poderia chegar a US$ 5 milhões para a empresa. Se a empresa tiver capital aberto (caso da Petrobras) – o que aumenta sua visibilidade – o valor pode chegar a 10% do capital segurado.

Na Petrobras, o valor segurado é de US$ 30 milhões. Segundo Luciana Rachid, gerente-executiva da estatal, o custo anual da apólice, que cobre desde danos ambientais até reclamações de acionistas, triplicou nos últimos anos: – É reflexo dos crescentes escândalos corporativos.

Mas nem toda companhia consegue contratar o produto. Na Chubb, por exemplo, as que pertencem a setores regulados, como telefonia e energia, além das de internet, não têm vez.

– Não vale a pena para a seguradora, porque o risco de o sinistro ocorrer é elevado. Mas a procura só tem aumentado. Nossos principais clientes são da indústria de bebidas, setor financeiro, hospitais e fundos de pensão. Ainda assim, aceitamos apenas uma em cada três propostas. É preciso que a companhia tenha uma boa situação financeira para que ela seja uma cliente em potencial – diz Renato Rodrigues, gerente de seguros de responsabilidade civil da Chubb.

Já a Unibanco AIG avançou a passos largos em terreno preterido pela concorrência: justamente empresas de setores regulados, que acabam pagando mais por isso.

A seguradora tem um acordo com a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e desde outubro do ano passado oferece um produto sob medida às empresas listadas. Entre os diferenciais, a cobertura de serviços de assessoria de imprensa e relações públicas em casos de crise e proteção a danos causados pela divulgação equivocada de informações na internet. Um exemplo é quando o investidor decide comprar ou vender ações com base nos dados errados e processa a companhia.

Que ninguém pense, porém, que ter um seguro desses mudaria o curso dos recentes escândalos corporativos, como o da Enron, por exemplo. – O produto não é salvo-conduto para fraudes. Seguro nenhum cobre isso. Se for comprovada a fraude, a empresa tem que devolver o valor pago. E o que já não era barato pode sair ainda mais caro – avalia Márcio Tadeu Nunes, do Veirano Advogados.

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