Notícias | 20 de setembro de 2005 | Fonte: Folha de S.Paulo

Aquecimento produzirá novos Katrinas

CLAUDIO ANGELO

Se por um lado não é possível culpar o aquecimento global pela devastação de Nova Orleans, por outro os cientistas avisam: o mundo inteiro pode esperar mais furacões como o Katrina de agora em diante, por causa da mudança climática. O alerta é feito hoje por um estudo americano.

Seus autores realizaram o primeiro levantamento de furacões em todas as bacias oceânicas do planeta nos últimos 35 anos, quando esses fenômenos começaram a ser detectados por satélite. Sua conclusão é que, embora o número total de eventos esteja estável ou até diminuindo, a quantidade de furacões nas categorias 4 e 5 -os mais intensos, como o Katrina e o Jeanne, que atingiu o Haiti em 2004- vem mostrando uma tendência ao aumento.

`Eu acredito que a tendência seja induzida pelo aquecimento global`, disse à Folha o meteorologista Peter Webster, do Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA). Ele é co-autor do estudo, publicado hoje no periódico `Science` (www.sciencemag.org).

Até bem pouco tempo atrás, a declaração de Webster seria considerada blasfêmia por qualquer climatologista sério -embora um aumento no número de eventos climáticos extremos até 2100 fosse um dos efeitos previstos pelos cientistas como conseqüência do aquecimento global. Afinal, as interações entre oceano e atmosfera, que dão origem a fenômenos meteorológicos extremos como os furacões, dependem de uma série de fatores complexos.

Não é fácil entender como o simples aumento da temperatura média global influencia esse jogo. E não existia uma série histórica de registros que pudesse incriminar o aquecimento global: o que parece ser uma `tendência` em dez anos pode muito bem não se verificar na década posterior.

O cientista da Geórgia e seus colegas ressaltam que ainda há muita incerteza na pesquisa. Mas observam que, pelo menos nas últimas três décadas, o número de furacões nas categorias 4 e 5 praticamente dobrou -e no mundo todo. `Não há dúvida de que há um aumento substancial`, disse a jornalistas Greg Holland, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos EUA, co-autor do estudo.

A tendência, ressaltam, foi verificada numa série de dados de satélite que é confiável ao longo desses 35 anos. E confirma um estudo publicado há dois meses na revista `Nature` (www.nature.com) pelo climatologista Kerry Emanuel, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), que previa um aumento na intensidade dos furacões no Atlântico Norte devido ao efeito estufa.

`Isso é preocupante e mostra que em razão do aquecimento global das águas do mar a humanidade precisa estar preparada para enfrentar fenômenos climáticos cada vez mais severos, como já vem acontecendo`, disse à Folha o climatologista brasileiro Alexandre Pezza, da Universidade de Melbourne (Austrália).

Pezza publicou no mês passado, com o colega Ian Simmonds, na revista científica `Geophysical Research Letters`, um estudo sugerindo que o aquecimento global também tornará mais comuns fenômenos como o Catarina, o primeiro furacão registrado no Brasil, que se abateu sobre o litoral catarinense em março de 2004.

Ciclos
Furacões são eventos caóticos, mas com uma coisa em comum: eles dependem de temperaturas altas na superfície do oceano para acontecer. É o calor que fornece `combustível` para as tempestades. Entre 1970 e 2004, a temperatura média da superfície do mar aumentou 0,5C no globo.

Esses eventos extremos também respondem a ciclos naturais. No caso do Atlântico Norte, esses ciclos são influenciados por fenômenos como o El Niño. A cada 25 anos, em média, há um pico no número de furacões.

Globalmente, no entanto, não há evidência desses ciclos, diz Emanuel.

E o registro obtido pelo grupo de Webster compreende um intervalo maior que qualquer oscilação natural. `Por favor, repare que a temperatura da superfície do oceano está aumentando em toda parte, não só no Atlântico`, disse o pesquisador, segundo o qual, quanto mais as temperaturas continuarem subindo, mais fenômenos como o Katrina ocorrerão.

`Furacões levam calor embora dos oceanos. Talvez você precise de furacões cada vez mais fortes para compensar o aquecimento, mas nós não sabemos.`

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