Notícias | 30 de junho de 2004 | Fonte: Gazeta Mercantil

A responsabilidade fiscal e as PPPs

O fio condutor de um projeto de Parceria Pública Privada (PPP) pode ser definido como a repartição dos investimentos e riscos entre o governo e o particular investidor, aproveitando as qualidades de ambos os segmentos. Não obstante essa repartição de risco ter o condão de diminuir a participação financeira da administração pública no projeto, os desembolsos dos recursos públicos no projeto de PPP não desaparecem por completo.

A versão do projeto de lei sobre PPP enviada ao Senado Federal não mais contém a garantia de precedência do pagamento dos valores devidos ao par-ceiro privado em relação às demais obrigações contratuais da administração pública. Mas em virtude dos longos prazos envolvidos nos projetos de PPP e da necessidade de assegurar à iniciativa privada investidora que os pagamentos que lhe são devidos serão efetivados, outras formas de garantia foram mantidas no projeto de lei, tais como a vinculação de receitas e a utilização de fundos especiais, bem como a sub-rogação à instituição que financiou a PPP dos empenhos relativos à parcela assumida pela administração pública no projeto.

A sistemática de remuneração adotada no projeto de lei das PPP é mais ampla do que aquela prevista nos atuais normativos. Isso porque, além da tarifa paga pelo usuário no caso das concessões de serviço público, ou do pagamento direto pelo objeto contratado, o particular pode contar com outras formas de remuneração, dentre as quais a contraprestação vinculada ao seu desempenho e a complementação da tarifa pelo poder público (shadow toll).

Além da inovação nas formas de remuneração do investidor privado, as garantias tornaram-se condição essencial para aumentar a atratividade dos projetos a serem submetidos ao regime de PPP. Os bens e direitos que poderão ser objeto das garantias têm sido discutidos pelos pontenciais investidores como pré-requisito para o sucesso das parcerias com o Poder Público.

Entretanto, deve-se ter em mente que qualquer soma despendida em projetos de parceria, aí incluídas a contraprestação e as garantias prestadas pela administração pública ao particular investidor, deverá necessariamente respeitar as disposições e limites previstos na lei de responsabilidade fiscal e em resoluções do Senado Federal. A Constituição Federal é clara quando determina que qualquer investimento a ser realizado pela administração pública deverá ter previsão orçamentária, sob pena de crime de responsabilidade. A lei de licitações, por sua vez, estabelece que qualquer procedimento licitatório só pode ser iniciado com dotação orçamentária, sendo que os contratos celebrados com a administração pública devem especificar os recursos orçamentários correspondentes.

Assim, questão fundamental que se apresenta refere-se à geração de despesas com o repasse de recursos do tesouro ao particular, consubstanciada na remuneração devida ao particular, ou com a concessão de garantias, conforme previsto no projeto de lei das PPP. Alguns estados têm entendido que as despesas relacionadas aos projeto de PPP não devem integrar o montante global de suas dívidas consolidadas, para fins de limites de endividamento estabelecidos pelo Senado.

A imprensa tem noticiado a intenção de se retirar do projeto de lei a obrigatoriedade de registrar despesas de PPP como dívida. Caso se opte por contabilizar as despesas de PPP como dívida pública consolidada, inevitável será a sua sujeição aos limites globais de endividamento.

O impasse surge com a tendência já demonstrada pelo FMI em considerar as despesas de PPP como gastos públicos, ou seja, não como despesas de custeio, mas sim como dívidas. A discussão se torna ainda mais relevante quando o Governo Federal tenta convencer as instituições internacionais em descontar as despesas de PPP da meta de superávit primário do país. Afastar a contabilização das despesas em projetos de PPP como dívidas pode se tornar crucial para viabi-lizar as PPP no âmbito dos estados e municípios brasileiros, uma vez que a grande maioria já ultrapassou seus limites de endividamento. A questão é tão relevante que os modelos legais escolhidos pelos estados passam a ser definidos também por esse aspecto. Nesse sentido, é forçoso compreender as disposições da lei de responsabilidade fiscal.

Diante do contexto atual de endividamento público e das estritas regras de responsabilidade na gestão das finanças públicas, viabilizar a implementação dos projetos de PPP se torna realmente difícil. Inúmeras soluções têm sido apontadas pelos especialistas do setor. O Estado de São Paulo, por exemplo, criou a Companhia Paulista de Parceria – CPP. No modelo paulista, caberá à CPP garantir, com seus próprios ativos, os empreendimentos realizados com a iniciativa privada. O patrimônio da CPP será composto de imóveis, ações de titularidade do estado, títulos da dívida pública e bens e direitos de titularidade do estado cuja transferência independa de autorização legislativa especifica. Vale lembrar que a CPP, por ser uma empresa não dependente dos repasses de recursos orçamentários, não estaria sujeita aos limites de endividamento dispostos na lei de responsabilidade fiscal.

Ciente dos riscos envolvidos no endividamento futuro da administração pública, o legislador federal tomou algumas ações para minimizá-los, como a instituição de um órgão gestor de PPP, com a finalidade de avaliar e conduzir todo o procedimento relacionado à instituição e implementação da parceria. As legislações estaduais também prevêem a criação de órgãos gestores que se responsabilizarão pela condução das contratações de PPP.

Ainda, o projeto de lei federal sobre PPP determina a comprovação de que a despesa criada com a PPP seja compensada pelo aumento permanente de receita ou pela redução das despesas públicas. No mesmo sentido, mas com determinações mais genéricas, a legislação mineira e o projeto de lei paulista condicionam a aprovação do projeto de PPP à compatibilidade orçamentário-financeira do contrato, denotando, assim, a visível preocupação do legislador com a estabilidade fiscal.

Todavia, não obstante a preocupação do legislador federal e estaduais em evitar a criação de despesas sem que haja recursos suficiente para sua liquidação, nos moldes hoje definidos, o órgão gestor será a entidade integralmente responsável por garantir o equilíbrio fiscal nas parcerias, o que poderá trazer uma eventual dificuldade operacional.

Mesmo que a remuneração do parceiro privado esteja vinculada ao seu desempenho, os desembolsos obrigatórios do setor público terão um impacto direto nas finanças públicas, razão pela qual os contratos de parceria e os editais de licitação deverão necessariamente estar adequados aos termos, condições e limites da lei de responsabilidade fiscal e legislação correlata. kicker: As garantias tornaram-se essenciais para aumentar a atratividade ao regime de PPP .

José Emilio Nunes Pinto e Rodnei Iazzetta – Advogados do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados

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