Notícias | 18 de agosto de 2003 | Fonte: Gustavo Caldas

A interpretação do artigo 983 do NCC e as sociedades corretoras

A possibilidade de as corretoras de seguros registrarem contrato de sociedade entre sócios é perfeitamente admitida como sociedade simples, se os sócios julgarem que a sociedade é pouco “organizada” e sua atividade não constitua exercício de atividade própria de empresário. Essa é a real essência do artigo 966, combinado com o artigo 982, do Novo Código Civil, aqui tratado de “NCC”. A atividade econômica, data vênia, não é o que distingue a sociedade empresária da sociedade simples. Tanto é verdade que o artigo 997, VII, do NCC prevê a participação dos sócios nos lucros das sociedades simples, ou seja, pode-se presumir que se há lucro há atividade econômica.
Como se isso não bastasse, excetuado o caso de profissionais que exercem ofícios específicos, de natureza intelectual, científica, literária ou artística, todo aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de serviços está tipificado como quem está exercendo atividade própria de empresário e por isso não poderia se considerar “simples” (combinação dos artigos 966, seu parágrafo único e art. 982).
A grande verdade é que o legislador tentou autorizar que as sociedades simples pudessem se constituir segundo um dos tipos permitidos às sociedades empresárias, regulados nos artigos 1039 a 1092 do NCC. Essa autorização está prevista no artigo 983 do referido ordenamento. Ocorre que dentre esses tipos, verdadeiramente, o único que pode ser aplicado às sociedades simples é o tipo “sociedade limitada”.
Agora, parece ser uma atitude antagônica querer ser simples e ao mesmo tempo limitada. Como poderiam viver em harmonia as deliberações, se os quoruns são diferentes? Como poderiam viver em harmonia, se a responsabilidade do tipo da limitada está restrita às quotas de cada sócio, e na simples os sócios respondem pelo saldo das dívidas ilimitadamente, ou na proporção em que participem das perdas?
Na hora da execução contra a “sociedade simples limitada”, vai se considerar o quê? E o juiz, o que dirá?
Durante o Ano de 2002, vários consagrados estudiosos do Direito Pátrio reuniram-se na Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ, para estudar os conflitos e lacunas que poderiam gerar eventuais divergências na interpretação do Novo Código Civil.
Do resultado do trabalho foram aprovados e publicados diversos enunciados, sendo que o Enunciado 57 é o que muito nos interessa, in verbis:
Enunciado 57/2003, do CEJ – Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “Art. 983: a opção pelo tipo empresarial não afasta a natureza simples da sociedade.”
Como se percebe acima, os juristas que participaram do evento têm, em conjunto, a nítida visão de que a sociedade simples tem e deve ter a natureza simples, não importando o tipo assumido.
No mesmo diapasão, não podemos esquecer que a sociedade simples é caracterizada como sendo uma sociedade de pessoas e assim sendo, a responsabilidade é ilimitada. Por seu turno, as sociedades limitadas têm caráter cruzado e constituem sociedade de pessoas e de capital. Aí encontramos a principal característica para que a responsabilidade seja limitada.
Concluindo, a grande diferença entre uma sociedade simples é que o quorum de deliberações exige apenas a maioria simples ou absoluta enquanto que a sociedade empresária limitada requer 75% ou três quartos (3/4) das quotas. No mais, as obrigações societárias e acessórias têm quase a mesma carga, a mesma obrigação. Com relação aos custos de registros, estes são bastante eqüitativos. Enfim, só sobraria, então, a questão da responsabilidade dos sócios. A responsabilidade da sociedade empresária do tipo limitada está restrita ao valor das quotas de cada sócio. Já na sociedade simples, a responsabilidade dos administradores – em geral, os sócios – é solidária, e também os sócios não-administradores respondem com seus bens, caso os bens da sociedade não cubram as dívidas sociais.
As perguntas que não querem calar são: Será que os corretores de seguros querem ter seu patrimônio pessoal envolvido nas dívidas da sociedade? Vale a pena correr o risco de se tornar uma “sociedade simples limitada” e, em uma execução, perder a natureza limitada? É melhor ter menor quorum de deliberações nas decisões societárias e aumentar a responsabilidade dos sócios, ou será melhor ser sociedade empresária e não precisar se preocupar com a invasão ao patrimônio?
Em razão desses questionamentos é que sou de parecer que toda sociedade corretora de seguros deverá considerar a possibilidade de se tornar uma sociedade empresária do tipo sociedade limitada, até porque se enquadra no conceito de sociedade empresária. A principal razão é a restrição da responsabilidade dos sócios; e se assim decidirem deverão registrar seus atos no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas
Comerciais, na forma do artigo 1.150 do Novo Código Civil.
Luiz Cezar P. Quintans (*)
(*) Advogado, empresário, autor do Livro “Direito da Empresa”, Freitas Bastos, 2003, RJ. Titular do escritório Quintans & Advogados Associados e da Legal Adviser Consultoria Empresarial. Foi consultor da Price Waterhouse Coopers, foi gerente tributário da Chocolates Garoto e da White Martins e foi o Gestor Jurídico da Allied Domecq Brasil.
A gradecemos a Gustavo Caldas da ASSEGURE, que, também preocupada com o tema, promoveu há um mês palestra para seus corretores cadastrados sobre o tema e nos enviou este artigo.

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