O seguro obrigatório de automóveis tem uma razão de ser nobre e já reconhecida em todos os países desenvolvidos onde também é cobrado: indenizar vítimas de acidentes de automóveis, ônibus, caminhões e motocicletas. Nos Estados Unidos e na Europa, ninguém anda de carro sem uma cobertura (obrigatória) para terceiros e cobra-se nestes países muito mais do que se cobra no Brasil, superando US$ 400 anuais.
A idéia é que, se for opcional, dificilmente os condutores de veículos vão contratar uma cobertura de seguros para terceiros, no máximo para eles mesmos e seus automóveis.
No Brasil é ainda mais grave porque as maiores vítimas dos condutores imprudentes geralmente são pessoas que estavam na calçada esperando um ônibus, são pobres, não têm carro nem plano de saúde para acolhê-las. Portanto, a função social do DPVAT é inegável. O que é difícil engolir é a destinação de parte da arrecadação para custear entidades de seguradoras e corretores de seguros.
A regulamentação do DPVAT brasileiro determina o seguinte: a Fundação Nacional Escola de Seguros (Funenseg), entidade que forma corretores, recebe 0,656% do total arrecadado pelo DPVAT. Os sindicatos estaduais de corretores (Sincor) recebem mais 0,596%.
A título de cobertura de despesas administrativas e remuneração pelo trabalho, o convênio formado pelas seguradoras através da Federação Nacional das Empresas de Seguros, Previdência e Capitalização (Fenaseg), para administrar o DPVAT, recebe 12% da arrecadação; as seguradoras (que já fazem parte do convênio) recebem 2% e os corretores (de novo) recebem 0,505%.
Detalhe: não há nenhum serviço de corretagem no DPVAT. O proprietário do veículo paga pela internet ou pelo banco, não há corretores envolvidos. Só até aqui são 15,76% do total arrecadado para custear estas entidades.
O governo também fica com uma parte. A maior parcela da arrecadação (45%) vai para o Sistema Único de Saúde sob o argumento de que os hospitais públicos são os que recebem e tratam a maioria das vítimas de acidentes de trânsito, o que não deixa de ser verdade. O Departamento Nacional de Trânsito fica com 5%. A Superintendência de Seguros Privados (Susep) fica com 1,193%.
Segundo dados da Fenaseg, no ano passado o DPVAT arrecadou R$ 1,567 bilhão e a previsão para 2005 é R$ 1,796 bilhão. Com o reajuste de 43,38% imposto pela Susep para vigorar em 2006, a arrecadação do seguro obrigatório vai subir R$ 779 milhões, para R$ 2,575 bilhões. Com isso, a contribuição às entidades também sobe, para R$ 404,7 milhões, ou seja, mais da metade do aumento irá para corretores e seguradoras. No mínimo, pode-se dizer que se não fosse para sustentar tantos agentes públicos e privados o reajuste do ano que vem poderia ser menor.
As pessoas têm a nítida sensação de que o DPVAT não passa de um imposto, mais uma taxa que não resulta em qualquer benefício para o cidadão. Não é verdade. Em 2004, foram pagos R$ 355,9 milhões a 118.520 vítimas de acidentes automobilísticos. Em 2005, foram R$ 674 milhões desembolsados pelo convênio em indenizações a quase 170 mil pessoas e suas famílias. Portanto, o problema não é propriamente o benefício devolvido à sociedade – embora seja público e notório que o DPVAT é alvo de máfias e fraudes.
A Funenseg é uma fundação séria, desenvolve um trabalho excelente e é uma das poucas bases de dados organizadas do mercado segurador brasileiro. Mas por que ela não pode ser custeada pelas seguradoras e pelos corretores, que são os primeiros beneficiados por seu trabalho? Quem custeia a Febraban são os bancos, quem custeia a Abinee são as indústrias de eletroeletrônicos. Por que tem que ser diferente com Funenseg e Sincor?