Notícias | 23 de setembro de 2021 | Fonte: Estadão

A defesa do consumidor e a Resolução do Conselho de Saúde Suplementar

Juliana Oliveira Domingues e Frederico Fernandes Moesch. Foto: Divulgação

Em 11 de setembro, comemoramos os 31 anos do Código de Defesa do Consumidor. Ainda que muito tenha evoluído, desde então, há setores regulados que permanecem com diversas assimetrias, que motivam processos judiciais que poderiam ser evitados por meio de maior transparência e de medidas aptas a harmonizarem as relações de consumo.

Esse é o caso da saúde suplementar. Recentemente, foi publicada a Resolução do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) n.º 01, de 03 de setembro de 2021, (que institui a Política Nacional de Saúde Suplementar para o enfrentamento da Covid-19 (PNSS-Covid-19).

Referida resolução traz diretrizes para atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) enquanto perdurar a pandemia. É importante destacar que as ações previstas para implementar essas diretrizes constituem oportunidade para aperfeiçoar o atendimento dos consumidores pelos planos de saúde.

Tal como visto ao longo dos últimos 12 meses, o setor de saúde suplementar tem sido objeto de preocupações dos consumidores, apresentando elevada judicialização, o que levou a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) a priorizar o tema. A SENACON tem adotado iniciativas referentes ao setor, por meio de diferentes instrumentos de política pública, para proteger os consumidores, tais como: monitoramento de mercado, notificações de agentes econômicos, elaboração de análise sobre reajustes dos planos de saúde e realização de testes de Covid-19, advocacia normativa (com articulação junto às autoridades competentes para fins de aperfeiçoamentos legislativos e regulatórios) e aplicação do poder de polícia em alguns casos.

Segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no documento “Judicialização e sociedade: ações para acesso à saúde pública de qualidade” , de 2021, houve incremento de 130% no número de demandas de direito à saúde em primeira instância para os anos de referência (2008 a 2017) e de 85% para o de segunda instância; ambos resultados extrapolam os números gerais do Judiciário (respectivamente de 50% e 40%). Nessa categoria “direito à saúde”, os principais assuntos demandados foram “planos de saúde” e “seguro.”

Documento

Já no âmbito administrativo, conforme os dados das plataformas de monitoramento de mercado gerenciadas pela SENACON – o Sistema de Informações de Defesa do Consumidor (SINDEC) e o consumidor.gov.br – o setor de saúde suplementar não aparece entre os mais reclamados, o que reforça a percepção de que o Judiciário tem sido muitas vezes buscado pelos consumidores desses serviços antes de se tentar solução administrativa. Há indicativo de que demandas referentes à negativa de tratamento (urgentes, em muitos casos) e aos reajustes dos planos de saúde (em especial os coletivos, sujeitos a regulação mais branda do que a dos planos individuais e familiares) são comumente endereçadas pela via judicial.

As duas Casas do Congresso Nacional estão atentas ao setor e discutem proposições legislativas que nelas tramitam. Na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), observam-se alguns avanços, como a facilitação da realização de testes de COVID-19, o reajuste negativo de planos individuais em 2021 (um pleito da Senacon e do SNDC) e as iniciativas para ampliar a transparência do setor, por meio da criação de painel que transforma dados brutos em informações mais facilmente compreensíveis.

Assim, é importante destacar essa importante iniciativa do Ministério da Saúde que culminou na Resolução do CONSU, uma vez que traz oportunidade para um salto regulatório em prol dos consumidores de planos de saúde, sobretudo para:

a) transparência das informações, em especial sobre os reajustes;

b) garantia do atendimento à saúde, consubstanciada no melhor desfecho clínico, nos prazos legais e regulamentares e com custo adequado;

c) cumprimento das coberturas contratadas pelos consumidores, nos limites definidos na Lei dos Planos de Saúde, incentivando a solução extrajudicial de conflitos de consumo;

d) promoção de ambiente regulatório que incentive a concorrência, resguardando a qualidade da assistência, os direitos e as garantias previstas na Lei dos Planos de Saúde.

O CONSU foi criado na Lei nº 9.656, de 1998 (Lei dos Planos de Saúde), em seu art. 35-A, e regulamentado no Decreto n.º 10.236, de 11 de fevereiro de 2020. É composto atualmente pelos Ministros de Estado da Saúde (que o preside), da Economia, da Justiça e Segurança Pública e Chefe da Casa Civil. A Secretaria-Executiva do CONSU é exercida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Por iniciativa do Ministério da Saúde, as discussões referentes à resolução tiveram início em março e foram realizadas reuniões de níveis ministerial e técnico, bem como consulta pública com importante participação da sociedade.

Outros atores interessados (representantes de consumidores, de planos de saúde, de prestadores de serviços) também tiveram oportunidade de manifestação com vistas a aperfeiçoar e viabilizar a proposta.

A aprovação da resolução confere mandato à ANS para discutir e propor ao Conselho ações que confiram maior concretude aos princípios, objetivos e diretrizes da política pública. Tais ações devem ser elaboradas conforme as melhores práticas regulatórias, com participação dos atores interessados: representantes de planos de saúde, de prestadores de serviços e de consumidores, estes últimos sob coordenação da Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON). A execução das ações será monitorada, com vistas a eventuais correções de rumos durante a execução, e avaliada, de modo a subsidiar decisões futuras sobre o setor de saúde suplementar.

Portanto, a Resolução do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) n.º 01, de 2021, que institui a Política Nacional de Saúde Suplementar, oportuniza o aprofundamento do diálogo entre todos os stake-holders e aperfeiçoará a regulação em benefício não apenas dos consumidores, mas da sustentabilidade do setor de saúde suplementar.

É importante lembrar que falhas regulatórias podem ensejar externalidades negativas ao provocar a exclusão de elevado número de consumidores, isto porque estes deixam de pagar o plano. Com isso, poderia haver sobrecarga do sistema público de saúde, por um lado, e desequilíbrio atuarial das operadoras de planos saúde, por outro. Medidas que garantam a transparência e a evolução de mecanismos regulatórios promovem bem-estar social, estão alinhadas às melhores práticas internacionais e à agenda da Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública para atender aos anseios da nossa sociedade e do desenvolvimento econômico.

*Juliana Oliveira Domingues é Secretária Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Professora Doutora de Direito Econômico da Universidade de São Paulo (FDRP/USP). Presidente do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor e membro do Comitê Executivo do Consu.

*Frederico Fernandes Moesch é Coordenador-Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado na SENACON. Servidor público federal, da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG). Mestre em Ciência Política (UFRGS) e Graduado em Direito (PUCRS).

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