Notícias | 9 de junho de 2014 | Fonte: O Estado de São Paulo

Vida em grupo e acidentes pessoais

No seguro de vida em grupo o sinistro é a morte do segurado; já no seguro de acidentes pessoais a indenização decorre da ocorrência de um acidente de causa externa

O seguro de vida em grupo é de longe o mais comercializado entre as modalidades de seguros de vida existentes no Brasil. Ainda que sendo um seguro de morte, na medida em que a indenização é devida em caso de morte do segurado, com extensão para invalidez permanente por acidente e invalidez por doença, ele é de longe o mais procurado.

A razão para isso é que, justamente em função de ser um seguro sem sofisticação, ele custa barato. Daí um grande número de empresas oferecê-lo para os funcionários registrados. Mas se o seguro de vida em grupo não tem nenhum plano de capitalização acoplado a ele, encerrando a avença com o pagamento da indenização, ele é um seguro abrangente, com praticamente todas as causas de mortes contempladas em sua cobertura básica. Há algumas exceções como, por exemplo, a ingestão de bebida alcoólica, mas são poucas. Até o suicídio, que na maioria dos países desenvolvidos é excluído das coberturas do seguro de vida, no Brasil é coberto. A regra do Código Civil de 2004 determina uma carência de dois anos para que a cobertura passe a valer, mas a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido de outra forma, reduzindo este prazo.

Nada que não ocorresse no passado. Na regra do Código Civil anterior. A morte por suicídio era abrangida pela cobertura do seguro de vida em grupo, sem a carência, inclusive por força de súmula do Supremo Tribunal Federal.

O Código Civil de 2004 buscou a pacificação da matéria através da criação do interregno de dois anos entre a contratação da apólice e a morte do segurado para os beneficiários terem direito ao capital segurado. Claro que, com a regra convalidada pela jurisprudência, o seguro poderia custar mais barato, mas a interpretação do STJ modifica muito pouco o panorama global do produto, exceto no que diz respeito a uma eventual pequena elevação do prêmio em apólices específicas.

Todavia, se a regra da cobertura para suicídio está pacificada no seguro de vida em grupo, ela não pode ser aplicada com base nos mesmos pressupostos ao seguro de acidentes pessoais. Os dois seguros não são semelhantes. Ainda que comercializados em conjunto, vida em grupo é uma coisa e acidentes pessoais outra completamente diferente. No seguro de vida em grupo o sinistro é a morte do segurado. Já no seguro de acidentes pessoais a indenização decorre da ocorrência de um acidente de causa externa, independente da vontade do segurado, que pode ou não causar a morte ou algum tipo de invalidez.

Quer dizer, para que o seguro de vida pague a indenização é necessário que o segurado morra. A causa de indenizar é a morte. Já para o seguro de acidentes pessoais é necessário que o segurado sofra um acidente, que pode matá-lo ou não. Isto porque a causa de indenizar não é a morte, mas o acidente pessoal.

Na medida em que a definição da cobertura do seguro de acidente pessoal exige que o acidente aconteça por causa externa, súbita e imprevista, independente da vontade do segurado, não há como incluir o suicídio entre suas coberturas. Nem mesmo a tese pátria do suicídio voluntário e do suicídio involuntário consegue manter a cobertura. Isto por uma razão simples: para a jurisprudência o ato de tirar a própria vida é precedido da perda da razão, que leva o indivíduo a se matar.

Ora, a perda da razão é causa para a cobertura de vida em grupo, mas, sendo um fenômeno interno, não pode ser invocada para dar suporte à morte por acidente pessoal. O acidente é consequência da perda da razão. Assim, ele não é a causa geradora da morte. Exemplificando para descomplicar o quadro: se alguém se atira deliberadamente de uma janela, não há que se falar em cobertura de morte acidental porque, antes dele se atirar, havia perdido o controle de suas faculdades mentais. Já se alguém cai de uma janela, o acidente pessoal está caraterizado e a indenização é devida. Seja como for, é importante se ter claro que cabe à seguradora fazer a prova da intenção do segurado tirar a própria vida. E isso pode ser bastante complicado.

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